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CRÍTICA/ERUDITO
WDR e Bychkov melhoram a música
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
O programa era tão careta
que nem toda a reputação da
Sinfônica da WDR, nem todos os
prodígios da violinista Sayaka
Shoji, nem a oportunidade rara de
ver ao vivo o maestro Semyon
Bychkov pareciam estímulos fortes o bastante para sair de casa na
gelada noite de segunda, dia 8.
Uma abertura de Dvorák (1841-1904), a "Quinta" de Tchaikovsky
(1840-93) e, como grande diferença, o "Concerto para Violino" de
Glazunov (1865-1936): a essa altura do campeonato, francamente,
não é de animar.
Mas a orquestra é tão boa e soa
boa tão rápido que ficou fácil relevar as redundâncias e se concentrar nas evidências. Bychkov já
deixou há muito de ser uma estrela em ascensão para se confirmar
como astro entre os discípulos do
lendário maestro russo Ilya Musin (1904-1999). Desde 1997, é o titular da Sinfônica da WDR, em
Colônia (Alemanha), além de reger no Metropolitan (Nova York),
no Festival de Salzburgo e no Covent Garden (Londres), entre outros lugares.
Seguindo os preceitos de Musin,
reger, para ele, é uma "arte visual
da comunicação", como gosta de
dizer nas entrevistas. Quer dizer:
ele é um regente aberto e expansivo, mexendo muito os braços,
gingando no pódio. O que não
quer dizer que seja espetaculoso,
nem nos gestos nem muito menos na idéia da música. A WDR
toca sempre com um senso incrível de planos, cada um na sua calculada distância em relação aos
outros, ao que se soma um virtuosístico, elástico instinto de pulso,
alterado em graduações sutis ao
longo de um movimento.
O segundo movimento da
"Quinta", nesse sentido, foi exemplar, com destaque para o trompista, no famoso primeiro tema,
que ganhou vida nova no palco.
Ali, como em muitos pontos, a
música às vezes parecia ficar em
suspensão, quase em câmera lenta, sem que o pulso de fato tivesse
mudado tanto. Era uma mistura
de pulso e intenção, que ganharia
depois outra mostra, no bis, a
"Dança Eslava", de Dvorák.
O "Concerto" de Glazunov, de
sua parte, é um daqueles que ninguém conhece muito bem, com
bons motivos. Nem a performance arrebatadora da graciosa e fogosa Sayaka Shoji, no seu Stradivarius, ajuda a mudar a situação.
É daqueles casos de música que,
quando termina, acaba.
Do que a gente lembra, para
além das intensidades da quarta
corda e da afinação eletrizante da
primeira, é da escultórica saia de
retângulos irregulares sobrepostos. Fazia da metade inferior do
corpo da violinista uma espécie
de rocha natural, de onde saía um
delicado tronco, com os ramos
balançando ao vento da música.
Enfim: para quem não estava
esperando muita coisa, foi muita
coisa e mais. Se boa parte da música, ali, servia mais para o ato de
fazer música do que para a consagração transcendental no reino
das idéias, que seja: naquela hora,
era grande arte e fazia sonhar com
a música que essa orquestra não
será capaz de tocar.
Avaliação:
![](http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
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