São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 2006

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CRÍTICA/ERUDITO

WDR e Bychkov melhoram a música

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

O programa era tão careta que nem toda a reputação da Sinfônica da WDR, nem todos os prodígios da violinista Sayaka Shoji, nem a oportunidade rara de ver ao vivo o maestro Semyon Bychkov pareciam estímulos fortes o bastante para sair de casa na gelada noite de segunda, dia 8. Uma abertura de Dvorák (1841-1904), a "Quinta" de Tchaikovsky (1840-93) e, como grande diferença, o "Concerto para Violino" de Glazunov (1865-1936): a essa altura do campeonato, francamente, não é de animar.
Mas a orquestra é tão boa e soa boa tão rápido que ficou fácil relevar as redundâncias e se concentrar nas evidências. Bychkov já deixou há muito de ser uma estrela em ascensão para se confirmar como astro entre os discípulos do lendário maestro russo Ilya Musin (1904-1999). Desde 1997, é o titular da Sinfônica da WDR, em Colônia (Alemanha), além de reger no Metropolitan (Nova York), no Festival de Salzburgo e no Covent Garden (Londres), entre outros lugares.
Seguindo os preceitos de Musin, reger, para ele, é uma "arte visual da comunicação", como gosta de dizer nas entrevistas. Quer dizer: ele é um regente aberto e expansivo, mexendo muito os braços, gingando no pódio. O que não quer dizer que seja espetaculoso, nem nos gestos nem muito menos na idéia da música. A WDR toca sempre com um senso incrível de planos, cada um na sua calculada distância em relação aos outros, ao que se soma um virtuosístico, elástico instinto de pulso, alterado em graduações sutis ao longo de um movimento.
O segundo movimento da "Quinta", nesse sentido, foi exemplar, com destaque para o trompista, no famoso primeiro tema, que ganhou vida nova no palco. Ali, como em muitos pontos, a música às vezes parecia ficar em suspensão, quase em câmera lenta, sem que o pulso de fato tivesse mudado tanto. Era uma mistura de pulso e intenção, que ganharia depois outra mostra, no bis, a "Dança Eslava", de Dvorák.
O "Concerto" de Glazunov, de sua parte, é um daqueles que ninguém conhece muito bem, com bons motivos. Nem a performance arrebatadora da graciosa e fogosa Sayaka Shoji, no seu Stradivarius, ajuda a mudar a situação. É daqueles casos de música que, quando termina, acaba.
Do que a gente lembra, para além das intensidades da quarta corda e da afinação eletrizante da primeira, é da escultórica saia de retângulos irregulares sobrepostos. Fazia da metade inferior do corpo da violinista uma espécie de rocha natural, de onde saía um delicado tronco, com os ramos balançando ao vento da música.
Enfim: para quem não estava esperando muita coisa, foi muita coisa e mais. Se boa parte da música, ali, servia mais para o ato de fazer música do que para a consagração transcendental no reino das idéias, que seja: naquela hora, era grande arte e fazia sonhar com a música que essa orquestra não será capaz de tocar.


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