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"Os Leões" vasculha o irreal cotidiano
A Armadilha, companhia de Curitiba, traz a São Paulo montagem de peça espanhola que recorre a seres e lugares imaginários
Nadja Naira dirige produção elogiada no Fringe e que entra agora em temporada de quatro semanas no
Sesc Avenida Paulista
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Há pouco em que se agarrar
em "Os Leões". A abstração sugere dois homens que poderiam ser a mesma pessoa. Ego e
superego, talvez. Há pistas.
Eles dividem o apartamento
numa cidade qualquer do planeta. A época tampouco é conhecida. Em meio à rotina (ler
o jornal, o livro, preparar o café,
espiar a janela, raro canal com o
mundo lá fora), os seres passam
a investigar atitudes suspeitas
na vizinhança, onde teria ocorrido um crime.
O espetáculo d'A Armadilha
Companhia de Teatro, de Curitiba, foi um dos mais elogiados
pela crítica na edição de março
passado do Fringe, a mostra paralela do festival nacional. E
chega agora para curta temporada de quatro semanas, a partir de hoje, na Unidade Provisória do Sesc Avenida Paulista,
dentro do projeto Primeiro Sinal -porta aberta a grupos
emergentes dedicados à experimentação.
Risco é o que não falta aqui. O
estado de indefinição que permeia a peça do não menos enigmático autor espanhol Pablo
Miguel de la Vega y Mendoza
-dono de uma biografia misteriosa; ele teria vivido entre 1911
e 1955, e deixou um texto ou
outro- é defendido pelos intérpretes Alexandre Nero e
Diego Fortes e pela encenadora
Nadja Naira.
"A gente também foi montando as peças do nosso quebra-cabeça", diz Naira, 34, experiente desenhista de luz vinculada à também curitibana
Companhia Brasileira de Teatro, que já passou por São Paulo
com as peças "Volta ao Dia" e
"Suíte 1".
Naira assina a primeira direção na carreira. Deseja traduzir
em cena a estrutura dramatúrgica de tons surrealistas e dar
margem para que o espectador
construa entendimentos e sensações próprias.
Narrativas não-lineares
O texto original de De la Vega
y Mendoza não confere nome
ou número aos personagens.
São travessões, um atrás do outro, sem que se saiba de quem é
a voz ou a vez. São mínimas a
indicações de cena.
Em três meses de pesquisa e
de ensaios, a companhia chegou a um resultado labiríntico
identificável, segundo a diretora, na obra do argentino Jorge
Luis Borges, de narrativas não-lineares.
"Esse exercício com o imaginário faz falta. Por causa da correria cotidiana, ficamos sempre
ligados às coisas práticas e não
nos permitimos acessar essas
pequenas filosofias, questões
metafísicas do universo paralelo à realidade", afirma o ator
Diego Fortes, 24, que foi, em
2001, um dos fundadores d'A
Armadilha. É dele a tradução e
adaptação da peça que lhe foi
apresentada por outro autor
espanhol, Alejandro Kauderer,
de quem dirigiu "Café Andaluz"
(2005).
Uma imagem cara à concepção do espetáculo é a do me-
nino aninhado em uma baleia
em "Moby Dick", o clássico
do escritor norte-americano
Herman Melville (1819-1891).
Em "Os Leões", os sujeitos
resistem a se aventurar fora
de casa.
O título original da peça pode
advir da passagem na qual um
deles diz que, para os especialistas em leões, eles são sempre
isso mesmo, meros leões. As
aparências enganam, mas, enfim, aparecem, conforme o
poeta Paulo Leminski. E de
acordo com a sensibilidade de
cada um.
OS LEÕES
Onde: Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, tel. 0/xx/11/3179 3700)
Quando: estréia hoje, às 21h; qua. e
qui., às 21h. Até 31/5
Quanto: R$ 4 a R$ 8
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