São Paulo, domingo, 10 de maio de 2009

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BIA ABRAMO

Novela como alegoria


Em "Caminho das Índias", não há bem uma história, mas climas, modas, tipos, bordões

EM "CAMINHO das Índias", Glória Perez atingiu o estado da arte de sua teledramaturgia.
O mosaico de personagens popularescos, choque de culturas e "grandes temas" aplicado ao fundo (falso, é claro) de grandes amores nos quais as mulheres sofrem muito e os homens são uns bananas premidos pelas circunstâncias, nunca esteve tão afinado.
É curioso como a televisão tem esse poder: de fazer bem, no sentido de benfeita, uma narrativa cheia de premissas, digamos, inadmissíveis.
Glória Perez faz novela assim: contando história nenhuma e inventando atmosferas, cenas, climas, modas, bordões, tipos e por aí vai. Se estivéssemos no campo da autoria de fato, essa poderia ser considerada uma marca crítica, uma maneira de negar a "grande narrativa".
Mas, não, aqui se fala de telenovela e, portanto, trata-se de vencer a batalha para botar o telespectador durante meses a fio, no mesmo horário, em frente à televisão.
A receita de Glória Perez, apesar de mirabolante, é bastante simples.
Em primeiro lugar, cria-se uma maneira de assegurar que o Brasil é uma maravilha, pelo contraste com costumes rígidos de outras culturas, mesmo que para isso seja preciso forçar a barra.
A Índia dessa novela é visualmente estonteante e, ao mesmo tempo, um pesadelo com seus casamentos arranjados, sistema de castas e mulheres oprimidas. Quase que uma alegoria de escola de samba.
Depois, é preciso inventar personagens acometidos por algum mal complicado -já foram as drogas, a cleptomania e, agora, o foco é na esquizofrenia.
A mirada é extremamente didática -vale dizer, simplificadora- e sentimental, o que acaba por satisfazer aos gregos, aqueles convivem direta ou indiretamente com a questão e se sentem representados, e aos troianos, aqueles que não têm ideia e se julgam esclarecidos pela novela, num jogo de ganha-ganha.
Quem é, por exemplo, etrusco e não "compra" a maneira de abordar por simplória, exagerada ou canhestra, que se lixe, não é mesmo?
Por fim, o nacional-popularesco, a ginga e a malemolência etc. A sorte é que, agora, a personagem de ninguém menos do que Dira Paes, que, além de encarnar como poucas a mulher fogosa, tem a inteligência de fazê-lo de forma irônica.
Com isso, a novela vai indo -se não de vento em popa porque não há mais isso-, pelo menos sem muitos sobressaltos até agora. Isso, é claro, se a gente admite as tais premissas.

biabramo.tv@uol.com.br


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