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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
Passeio ao farol
A sobrevivência aristocrática
dos valores do mundo
helênico serve a Kaváfis para
uma reflexão sobre a história
GREGO DE Alexandria, confinado entre os muros de uma
língua de circulação restrita,
Konstantinos Kaváfis (1863-1933)
deixou pouco mais de uma centena e
meia de poemas jamais reunidos em
livro durante sua vida. Estes bastaram para firmar-lhe a importância
moderna, embebidos no refinamento decadentista comumente associado à vocação nostálgica e antiquária do Oriente helenista, mas
também em certo simbolismo finissecular e seu gosto, pela alusão indireta e pela multiplicação de máscaras poéticas pelo refúgio na arte,
aperfeiçoamento da vida.
Some-se a tanto a figura dândi do
poeta, homossexual, a meio caminho entre a discrição de Fernando
Pessoa e o requinte de Proust ou
Santos Dumont, burocrata respeitável que celebrava a efemeridade do
erotismo, da juventude e da beleza,
oferta clandestina, mas farta, na noite de sua cidade, e eis um caso de interesse na poesia do século passado.
Não foram apenas Nikos "Zorba, o
Grego" Kazantzákis e Margherite
Yourcenar, autora de uma apresentação crítica de sua obra, que se deixaram impressionar. Em "Pharos e
Pharillon: Uma Evocação de Alexandria", o romancista inglês E. M.
Forster faz um curioso contraponto
entre personagens e cenas do passado glorioso e da cidade contemporânea, prosaica produtora de algodão,
todo ele articulado por poemas e um
perfil de Kaváfis. O "Quarteto de
Alexandria", de Lawrence Durrell,
também traz um velho poeta que o
ecoa.
Se não podemos dizer que o poeta
passou em branco em português (há
uma tradução parcial, seguida de belo e pioneiro ensaio, de José Paulo
Paes, esgotada, e uma lisboeta, de
Jorge de Sena), cabe celebrar a edição bilíngüe de toda sua poesia canônica, traduzida e anotada pela
professora Ísis Borges da Fonseca.
Grande conhecedora do grego
moderno e antigo, a tradutora deslinda as complexidades lingüísticas
de um autor que forjou seu estilo,
limpo, entre a rigidez do "katharévussa", de expressão culta e formal, e
o "demótico", nova língua comum
eivada de elementos de oralidade e
estrangeirismos próprios a um idioma no exílio.
Sempre por um ângulo insuspeito,
lateral e cotidiano, irônico ou elegíaco, nunca de uma solenidade oca, a
sobrevivência aristocrática e paradoxal dos valores do mundo helênico, ainda que assimilado e sob jugo,
serve a Kaváfis para uma reflexão
sobre a história, a exemplaridade
das derrocadas e o saldo ambíguo
das vitórias.
Personagens exemplares, Cesário,
Marco Antônio, Herodes Ático ganham vida e voz, convertem-se em
imagem. A mesma força evocativa,
concretizante, marca sua lírica amorosa, escavando e recompondo a
memória do corpo jovem, ideal do
belo, em si e no mundo, revertendo,
na linguagem, a fugacidade e a imperfeição da experiência.
A poesia de Kaváfis pode se orgulhar de fazer estragos na linha de
frente dos bárbaros.
POEMAS DE K. KAVÁFIS
Autor: Konstantinos Kaváfis
Tradução: Ísis Borges da Fonseca
Editora: Odysseus
Quanto: R$ 56 (408 págs.)
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