São Paulo, sábado, 10 de junho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

Crítica/Coletânea

Fragmentação compromete unidade de antologia poética

NOEMI JAFFE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Antologia é o mesmo que florilégio e que grinalda e vem do grego "ação de colher flores". Mas de coleção de flores escolhidas, o termo acabou derivando em coleção de textos em prosa e/ ou verso.
Trata-se, como se vê, de uma prática de cunho bem parnasiano, a começar pela associação de poemas a flores.
Dada essa complicada origem etimológica, e talvez histórica, quem sabe seja mais fácil compreender o risco de se organizar uma antologia poética.
Como selecionar poemas? Os melhores? Os mais representativos (que não são necessariamente os melhores)? Fazer um recorte cronológico? E, ao fazer o recorte, como não perfurar o objeto recortado? Qual é a obra, sobretudo poética, que se presta a ser conhecida por trechos? São exatamente esses os maiores problemas de "Concerto a Quatro Vozes", antologia de quatro poetas contemporâneos: Adriano Espínola, Antonio Cicero, Marco Lucchesi e Salgado Maranhão, organizada pelo acadêmico Domício Proença Filho.
Embora se proponha como antologia da contemporaneidade, a dúvida é justamente: como combinar esses dois termos? Um parece excluir o outro. Talvez, para a contemporaneidade, coubesse mais um "fragmentário" do que uma coleção de flores.
O poeta e sua corrente
Na introdução à antologia, Domício Proença esquadrinha rapidamente a produção poética contemporânea, classificando-a didaticamente: concretismo, neo-concretismo, poesia práxis, poema-processo, arte postal, tropicalismo, poesia marginal, happenings e performances e infopoesia.
Divide as produções em quatro tendências, associa brevemente cada poeta a uma corrente distinta e dá início à amostragem. E lá se vão os últimos 50 anos em uma página. A nós, habitantes desse mesmo tempo, se já é difícil admitir o passado comprimido em poucas linhas, soa ainda mais absurdo ver o presente se apertando em pouco espaço. Ele acaba se engessando como um passado remoto.
Com a exceção de Antonio Cicero, cuja qualidade poética está além do problema do recorte, os outros poetas acabam perdendo muito. Fica a sensação de uma atualidade antiga e cansada, com construções gramaticais e semânticas de registro cultíssimo e distante. Rápidas biografias, seguidas de trechos da poética e de trechos da fortuna crítica mal permitem vislumbrar cada poeta.
Em Adriano Espínola, a redução provoca a idéia de um coloquialismo gratuitamente contestador; em Marco Lucchesi, o sentimento religioso passa por um coador esotérico e cabalístico que o deixa aguado. Finalmente, não se entende o que há de contemporâneo em versos como "insular e ascética a semente/ fugaz dos rastros/ me guarda em seu enigma" ou "ó mantra secreto do desejo", do poeta nordestino Salgado Maranhão.
É certo que um dos problemas de uma resenha é justamente o "trechismo". Mas isso é da sua natureza. Agora, quando é preciso dividir em trechos um livro cuja constituição são os próprios trechos, o problema fica bem mais complicado. Não há todo que resista a tanto trecho.


NOEMI JAFFE é escritora e professora de literatura, autora de "Folha Explica Macunaíma" (Publifolha) e "Todas as Coisas Pequenas" (Hedra)

CONCERTO A QUATRO VOZES  
Autores: Adriano Espínola, Antonio Cicero, Marco Lucchesi e Salgado Maranhão
Organização: Domício Proença Filho
Editora: Record
Quanto: R$ 34,90 (192 págs.)


Texto Anterior: Vitrine
Próximo Texto: Crítica: Desenho oscila entre bobo e apelativo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.