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LIVROS
Crítica/Coletânea
Fragmentação compromete unidade de antologia poética
NOEMI JAFFE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Antologia é o mesmo que
florilégio e que grinalda
e vem do grego "ação de
colher flores". Mas de coleção
de flores escolhidas, o termo
acabou derivando em coleção
de textos em prosa e/ ou verso.
Trata-se, como se vê, de uma
prática de cunho bem parnasiano, a começar pela associação
de poemas a flores.
Dada essa complicada origem etimológica, e talvez histórica, quem sabe seja mais fácil
compreender o risco de se organizar uma antologia poética.
Como selecionar poemas? Os
melhores? Os mais representativos (que não são necessariamente os melhores)? Fazer um
recorte cronológico? E, ao fazer
o recorte, como não perfurar o
objeto recortado? Qual é a obra,
sobretudo poética, que se presta a ser conhecida por trechos?
São exatamente esses os
maiores problemas de "Concerto a Quatro Vozes", antologia de quatro poetas contemporâneos: Adriano Espínola, Antonio Cicero, Marco Lucchesi e
Salgado Maranhão, organizada
pelo acadêmico Domício
Proença Filho.
Embora se proponha como
antologia da contemporaneidade, a dúvida é justamente: como combinar esses dois termos? Um parece excluir o outro. Talvez, para a contemporaneidade, coubesse mais um
"fragmentário" do que uma coleção de flores.
O poeta e sua corrente
Na introdução à antologia,
Domício Proença esquadrinha
rapidamente a produção poética contemporânea, classificando-a didaticamente: concretismo, neo-concretismo, poesia
práxis, poema-processo, arte
postal, tropicalismo, poesia
marginal, happenings e performances e infopoesia.
Divide as produções em quatro tendências, associa brevemente cada poeta a uma corrente distinta e dá início à
amostragem. E lá se vão os últimos 50 anos em uma página. A
nós, habitantes desse mesmo
tempo, se já é difícil admitir o
passado comprimido em poucas linhas, soa ainda mais absurdo ver o presente se apertando em pouco espaço. Ele
acaba se engessando como um
passado remoto.
Com a exceção de Antonio
Cicero, cuja qualidade poética
está além do problema do recorte, os outros poetas acabam
perdendo muito. Fica a sensação de uma atualidade antiga e
cansada, com construções gramaticais e semânticas de registro cultíssimo e distante. Rápidas biografias, seguidas de trechos da poética e de trechos da
fortuna crítica mal permitem
vislumbrar cada poeta.
Em Adriano Espínola, a redução provoca a idéia de um coloquialismo gratuitamente
contestador; em Marco Lucchesi, o sentimento religioso
passa por um coador esotérico
e cabalístico que o deixa aguado. Finalmente, não se entende
o que há de contemporâneo em
versos como "insular e ascética
a semente/ fugaz dos rastros/
me guarda em seu enigma" ou
"ó mantra secreto do desejo",
do poeta nordestino Salgado
Maranhão.
É certo que um dos problemas de uma resenha é justamente o "trechismo". Mas isso
é da sua natureza. Agora, quando é preciso dividir em trechos
um livro cuja constituição são
os próprios trechos, o problema fica bem mais complicado.
Não há todo que resista a tanto trecho.
NOEMI JAFFE é escritora e professora de literatura, autora de "Folha Explica Macunaíma" (Publifolha) e "Todas as Coisas Pequenas" (Hedra)
CONCERTO A QUATRO VOZES
Autores: Adriano Espínola, Antonio
Cicero, Marco Lucchesi e Salgado
Maranhão
Organização: Domício Proença Filho
Editora: Record
Quanto: R$ 34,90 (192 págs.)
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