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DRAUZIO VARELLA
O grande salto
Pesquisas permitiram conhecer a estrutura química de todos os genes humanos
A CIÊNCIA evolui aos saltos; a
prática da medicina, também.
A fase em que os remédios
eram descobertos por casualidade
ou tinham seu uso transmitido das
avós para os netos durou milhares
de anos, mas perdeu o sentido diante da natureza dos desafios atuais:
evitar os ataques cardíacos, impedir
que o sistema nervoso degenere, curar o câncer, retardar o envelhecimento.
Os médicos que assistiram ao aparecimento dos antibióticos contam
que, antes da existência deles, não
fossem as cirurgias, quase nada podiam receitar além de analgésicos,
chazinhos, canja de frango e repouso no leito.
Diarréias, difteria, sarampo e amidalites banais dizimavam a população infantil, da mesma forma que a
tuberculose se disseminava entre os
adultos indefesos.
No início do século 19, a milenar
medicina chinesa era incapaz de assegurar ao chinês médio mais do
que 30 anos de permanência neste
vale de lágrimas. Cem anos mais tarde, a expectativa de vida nos países
mais desenvolvidos mal chegava aos
40 anos.
As vacinas, o saneamento básico e
os antibióticos transformaram o
mundo num lugar menos inóspito.
No século 20, a expectativa de vida
duplicou em vários países, fato sem
paralelo nos 5 milhões de anos decorridos desde que descemos das árvores nas savanas da África.
Na Segunda Guerra Mundial, durante os testes para uso da mostarda
nitrogenada como gás de guerra, os
médicos do exército americano perceberam que os técnicos apresentavam quedas bruscas do número de
glóbulos brancos no sangue.
A observação levou-os a testar a
mostarda no tratamento de doenças
que cursam com aumento progressivo e irreversível dos vários tipos de
glóbulos brancos: as leucemias e os
linfomas.
Finalmente, a medicina dispunha
de uma droga química para tratar
portadores de câncer: estava inaugurada a era da quimioterapia antineoplásica.
Progressos
Nos 50 anos que se seguiram,
aprendemos que a quimioterapia
podia curar leucemias, linfomas,
câncer de testículo avançado, casos
mais iniciais de câncer de mama,
intestino e estômago, além da
maioria dos tumores malignos que
se instalam na infância.
Enquanto esses progressos eram
documentados em estudos multicêntricos, através dos quais foi possível testar novos esquemas de tratamento em ensaios clínicos conduzidos simultaneamente em milhares de pacientes de diversos países, na segunda metade do século
20 houve investimento de recursos
colossais (especialmente nos Estados Unidos) na formação de cientistas e na execução de programas
de pesquisa.
Tais programas permitiram, por
exemplo, conhecer a estrutura química de todos os genes humanos e
entender a cadeia de reações que
acontece no interior das células
desde o instante em que recebem o
sinal para dividir-se, até o momento em que a divisão ocorre de fato,
fenômeno biológico que encerra o
segredo da gênese do câncer.
Decifrar a natureza dos sinais
transmitidos de uma molécula para a subseqüente desde a membrana externa da célula, através do citoplasma, até chegar ao núcleo para ordenar aos genes que disparem
o gatilho da divisão celular, cria a
possibilidade de desenhar moléculas-mísseis.
Estas são capazes de impedir que
o sinal para a divisão progrida no
interior das células malignas ou
dos vasos sangüíneos essenciais
para a sua nutrição.
Já temos à disposição algumas
moléculas-mísseis para tratamento de leucemias, linfomas, certos
casos de câncer de mama, de rim e
de outros tumores malignos; muitas outras se encontram em fase
avançada de estudos clínicos. O
grande salto dos próximos anos será dado pelos agentes biológicos.
Nesta semana foi realizado o
Congresso Americano de Oncologia, em Atlanta. No imenso hall em
que a indústria farmacêutica exibe
seus produtos, para cada estande
montado com a finalidade de divulgar agentes quimioterápicos, havia
meia dúzia de outros que anunciavam novas moléculas para tratamento biológico.
Lembrei de uma visita a uma loja
de discos em Nova York, em meados dos anos 80. Nas estantes todos
os discos eram de vinil, com exceção de um canto reservado para os
CDs, que acabavam de surgir. Seis
meses mais tarde, na mesma loja,
os CDs ocupavam todo o espaço; no
cantinho, estavam os vinis.
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