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PATATIVA
Escritor, que conheceu a poesia pela tradição oral, começou a fazer versos para distrair população regional
Obra sempre
cantou o mundo
acima de rótulos
GILMAR DE CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Por que em meio a tantos
poetas violeiros e poetas populares Patativa do Assaré se destacou e se tornou referência? Por
que tantos passaram e ele ficou?
A maior parte de seu tempo, Patativa esteve na Serra de Santana,
a 18 km do Assaré, onde nasceu e
que considerava seu paraíso particular.
Tomou conhecimento da poesia pela tradição oral, ouvindo um
cordel. Aquilo calou fundo. Aos
quatro perdeu um olho, o que deve ter aguçado sua compreensão
do mundo.
Estudou quatro meses numa escola formal e passou a ler pelo resto da vida, até a década de 90,
quando cegou de vez.
Por que Patativa vai ficar? Por
ter trabalhado com afinco e determinação, não para construir uma
carreira, mas pela necessidade de
dizer o mundo. Aos 16 anos, veio a
viola que lhe deu a agilidade do
improviso e ecoa na musicalidade
de seus poemas.
Passou a fazer versos para distrair os serranos. E, desde 1930,
chamou a atenção de José Carvalho de Brito, que incluiu o artigo
"O Patativa" no livro "O Matuto
Cearense e o Caboclo do Pará"
(Gráfica do Jornal de Belém), levado que foi à Amazônia por um
parente encantado com a maviosidade de seu canto.
Na volta, o trabalho do campo,
no eito, cultivando os poucos hectares herdados do pai. E construiu-se a trajetória do violeiro
que nunca "fez comércio de sua lira": viagens em lombo de burro,
apresentações com vários parceiros e os aplausos. Longe dos holofotes, durante 25 anos ele elaborou sua obra.
Na roça, isolava-se para compor
poesia. A memória privilegiada
ajudava. Visualizado o quadro,
composto o poema, passava a
limpo à noite, à luz de lamparinas.
Muito do que ele criou perdeu-se na voragem do tempo. As palavras ditas, apesar de fortes, se diluem. Ficou o escrito, depois impresso, sempre marcado por forte
oralidade.
Seus poemas, recitados durante
as cantorias, circulavam sertão
adentro.
Noites sertanejas
Assim começou a sedimentação
do mito. Patativa como um aedo,
herdeiro da linhagem de Homero,
fez da poesia um canto de trabalho e de liberdade. Poemas que
animavam as noites sertanejas,
com a força desse "performer",
intérprete e porta-voz.
Assim se tecia a obra de Patativa. Até o dia em que indo à feira
do Crato passou a dizer seus poemas na rádio Araripe, no programa de Teresinha Siebra.
José Arraes de Alencar ouviu e
teve a idéia de publicar um livro.
Moacir, filho do folclorista Leonardo Mota, ficou encarregado de
datilografar os poemas. Foi a gênese da "Inspiração Nordestina"
(1956), semente de uma obra essencial.
Em livro, podia ser lido e relido,
mas a força de sua poesia vinha de
uma oralidade que se perfaz
quando é enunciada e de ser escrita para ser lida em voz alta.
Depois foi o disco: Luiz Gonzaga gravou sua "Triste Partida",
em 1964.
Patativa continuou na serra,
mesmo depois de ter publicado
outros livros, gravado discos, sido
homenageado pela SBPC (1979),
participado da campanha pela
anistia, das diretas-já. Quando se
mudou para a cidade, já tinha 70
anos e era uma referência. Disputado pela esquerda, que via nele a
resistência, e pela direita, que recuperava antigos folhetos ("Glosas contra o Comunismo") e tentava vendê-lo como mantenedor
das tradições.
Patativa sempre foi mais que isso, esteve acima dos rótulos e desorientava as dicotomias. Sempre
pensou maior. Da sua aldeia ele
cantou o mundo. E o fez com a leveza do pássaro que lhe serviu de
epíteto e com a contundência de
quem foi capaz de se indignar e
interferir por meio do verso feito
arma.
Sua poesia social nunca foi militante, no sentido do panfleto político, mas uma poesia cidadã,
enunciada por uma voz que parte
da ancestralidade para atualizá-la.
Daí a sua importância. Por isso ele
vai permanecer, porque nunca
quis ser anedótico e, quando fala
de algo presente (reforma agrária,
televisão, meninos de rua), trata o
cotidiano com a grandeza do épico e a eternidade de um clássico.
Sua voz veio do oco do tempo e
ecoará enquanto a poesia for necessária: sempre.
Seus versos brotavam da terra
como frutos, superando a dicotomia entre natureza e cultura. Como disse um semioticista ucraniano (Lotman): "Toda obra inovadora é elaborada com um material tradicional". Patativa fez essa síntese.
A mídia o cercou com insistência. A academia aos poucos se
abre para sua contribuição. E sua
fruição vai das camadas subalternas à intelectualidade.
Impressionante sua dignidade,
sua altivez e sua ética sertaneja,
marcada por códigos rígidos como lealdade e coerência e, ao
mesmo tempo, pela generosidade
e compaixão.
Lê-lo é importante, mas dá uma
pálida idéia do que significava ouvi-lo, não por meio de registros
sonoros, mas de viva voz, onde o
corpo franzino se agigantava e sua
gesticulação fazia dele não o poeta, mas a poesia.
Gilmar de Carvalho é doutor em comunicação e semiótica pela PUC de São
Paulo e organizador do livro "Patativa
do Assaré - Antologia Poética"
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