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LITERATURA
Enquanto espera disco com Caetano Veloso sair, artista tem obra literária completa reeditada em caixa de luxo
Mautner reprisa e expande teoria do "kaos"
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
O tempo é de revisão e de expansão para Jorge Mautner, 61.
Enquanto aguarda o lançamento
(previsto para agosto) de "Não
Peço Desculpas", seu primeiro
disco em parceria com Caetano
Veloso, assiste à reedição de luxo
de sua obra literária completa, sob
o título "Mitologia do Kaos".
Foram reunidos numa caixa de
dois volumes 11 livros lançados
desde "Deus da Chuva e da Morte" (62), mais o inédito "Floresta
Verde Esmeralda". Um terceiro
volume, "Trajetória do Kaos",
agrupa letras de músicas, reportagens e entrevistas com parceiros e
amigos como Caetano e Gil. Agrega o pacote ainda um CD com seis
músicas regravadas e a inédita
"Floresta Verde Esmeralda", de
sabor experimental e tropicalista.
O Mautner músico não nega a
inclusão de releituras de "Maracatu Atômico" e "Lágrimas Negras" no disco com Caetano, mas
explica seu silêncio: "Se eu contar
algo sobre o disco, me matam. É
pura e simples ação e bondade de
Caetano. Sempre fui o primo pobre, mas desta vez com um primo
rico tão bom como ele fui puxado
ao apartamento de cima".
Como escritor, comemora a retomada: "Vai ser ótimo, porque
pouca gente me conhece como escritor. No Brasil se conhece mais a
música que a literatura".
Embora bancada por uma editora independente -a Azougue,
que deixou escapar dezenas de erros de revisão e montagem no
produto final-, a caixa foi viabilizada graças a uma parceria com
o Ministério da Cultura.
"Eles compraram 2.000 exemplares para bibliotecas, e isso possibilitou a edição de mais 1.500 cópias para o mercado. Só assim poderíamos realizar uma edição
dessa qualidade, mesmo assim ficando no prejuízo. Mas os malditos são mesmo nosso negócio",
diz o editor Sérgio Cohn. "Lamentamos muito os erros que
passaram, mas é inevitável num
projeto desse tamanho."
Mautner, por sua vez, diverte-se
com sua dupla face de músico e
escritor: "Meu pai sempre me dizia, como piada, que fiz bem, porque assim estou sempre errado
(ri). Se vão num show meu, dizem: "Ah, ele é mau cantor, mas
escreve bem". Se lêem meu livro, é
"ah, mas ele é bom músico'".
As faces não são só duas: "O
"kaos" exige três ou quatro idéias
diferentes sobre cada assunto, no
mínimo. Quando penso em algo,
primeiro sou a favor, depois contra, então muito pelo contrário.
Os quatro mautners vivem em assembléia permanente. É um treino para reconciliar extremos, me
aliviar dos demônios, me mover
entre a extrema esquerda, a extrema direita e o extremo centro".
Às gargalhadas ao falar de "extremo centro", explica-se, com
terminologia toda sua: "Durante a
Terceira Guerra Fria, a maior parte dos intelectuais era de marxistas, leninistas, stalinistas. A direita
tinha Nietzche e Freud. Havia grana para financiar tanto uns quanto outros. Quando terminou a
Terceira Guerra Fria, tudo ficou
relegado à grana, ao utilitarismo".
Exemplifica com sua saída da
gravadora Philips, em 76: "Comunicaram-me que eu não correspondia às metas de venda. A partir dali, só importariam os números, não mais o prestígio".
"Disseram que eu havia acabado como escritor, pois havia apostado tudo na Terceira Guerra
Mundial, e ela não veio. De repente acontece o 11 de setembro. Volta não só o caos, mas o terror, a
Quarta Guerra Quente."
Tido na sua estréia como representante solitário no Brasil da geração beat e pregador eterno da
luta contra o nazismo e da modalidade de anarquismo que ele batizou de "kaos", Mautner fala das
impressões de ler hoje, aos 61, textos filosóficos escritos aos 15: "O
menino de 15 era muito mais inteligente que o velhinho de 61".
E filosofa uma vez mais, bem-humorado: "Dura é a dor da rejeição amorosa. Duro é o caminho
rumo à morte. Hollywood nos enganou no "the end". Na verdade
não é nem "happy end", nem é um
filme. A vida é um curta. A natureza é esculhambada".
MITOLOGIA DO KAOS - caixa com a
obra completa de Jorge Mautner, em
dois volumes (1.288 págs.), volume extra
com entrevistas e letras de músicas e CD
inédito. Editora: Azougue. Quanto: R$
160 (ou R$ 90, em shows do artista).
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