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POLÊMICA
Beth Carvalho e Lobão respondem a artigo do cantor Caetano Veloso sobre numeração de CDs
Não somos heróis, só a lei nos interessa
BETH CARVALHO
LOBÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A numeração de discos é
uma luta histórica e amarga
da classe artística há mais de 30
anos, que gerou uma série de episódios no sentido de regulamentá-la, seguidos proporcionalmente de outros tantos no sentido de
coibi-la violentamente, tendo inclusive um veto do então presidente Médici no apagar das luzes
do seu mandato, tornando a reação à lei da numeração um resquício sombrio da ditadura militar.
A intransigência monomaníaca
da indústria fonográfica em reprimir a ampla discussão do universo representado pelos direitos autorais sempre foi de conhecimento público.
Antes de entrar no mérito da
questão propriamente dita, não
há como deixar de lado a seguinte
pergunta: como nosso colega
Caetano Veloso, que, ao deixar incluir seu nome na lista de apoio à
numeração de CDs, subscrevendo nossa representatividade, vem
agora a público [em artigo publicado na Ilustrada no último dia 6
de julho" protestar veementemente contra esta empreitada,
sem ao menos ter tido a elegância
de retribuir às nossas circulares,
aos nossos e-mails, aos nossos
exaustivos telefonemas enfim, rejeitando todos e quaisquer esclarecimentos e premissas dessa árdua e complexa luta que é a efetivação desse projeto de lei?
E com o agravante de sempre
frisarmos a todos os participantes
que a união da classe é de fundamental importância e que todos
devem ser esclarecidos sobre os
acontecimentos, sobre tudo o que
está se passando, com o compromisso inequívoco de não emitir
nenhuma opinião pública sem
antes falar com nosso núcleo para
esclarecer qualquer dúvida ou
discordância. Portanto é inaceitável a explicação de Caetano Veloso sobre o seu "parcial" entendimento da proposta.
Vamos aos fatos: o corpo do
projeto de lei da deputada federal
Tânia Soares (PC do B-SE) faz
menção apenas à obrigação de
numerar obras artísticas, literárias e científicas e quanto à assinatura do autor. É evidente que não
pode se tratar de autógrafos distribuídos nos milhares de exemplares firmados de próprio punho. Isso seria absurdo.
Há meios tecnológicos de fazê-lo. Será que o presidente do Banco
Central fica em seu gabinete assinando as milhões de cédulas que
circulam no país? É nessa ingenuidade que querem insistir?
É muito interessante observar
Caetano preocupado em dar importância à justificação do projeto
de lei, como um pintor mais preocupado com a moldura do que
com o próprio quadro em si.
É a lei e só a lei e seus efeitos posteriores que nos interessam e indubitavelmente nos beneficiarão.
Se há idiossincrasias na justificação do projeto, isso não nos concerne, pois se tratam de algo que
não será utilizado pela lei e, portanto, se tornam absolutamente
irrelevantes no presente momento do ponto de vista legislativo.
Mesmo assim, é de admirar a
indignação de Caetano mediante
a suspeita de irregularidades na
indústria fonográfica. Ora, é exatamente por falta da devida instrumentação jurídica que ficamos
eternamente "suspeitando".
Quanto ao fato de estarmos ou
não seguros de a lei ser eficaz,
bem, sem ela é evidente que tudo
continuará como está.
Da forma com que vem sendo
explicado exaustivamente à classe
artística e à opinião pública em
geral, existem várias empresas
que possuem métodos de numeração já demonstrados, todos
com perfeita exequibilidade. Por
que não tentar levar a cabo algo
que beneficia tanto o direito autoral e legitima inclusive a luta das
gravadoras contra a pirataria? Pirataria que certamente nós também repudiamos.
Realmente não se numera discos nos Estados Unidos, isso também tem sido arguido, contudo
foi apenas uma justificação ao
projeto de lei que, como disse, não
influenciará no desdobramento
posterior dos efeitos da lei.
Existe uma certa resistência internacional contra a numeração,
pois quem controla esse negócio
são as chamadas "big five" -as
cinco grandes gravadoras onipresentes em todo o planeta. Em razão disso, reunimo-nos com o governador do Rio Grande do Sul,
Olívio Dutra, e pleiteamos a criação do Fórum Mundial da Música, a ser realizado já em 2003 no
seio do Fórum Mundial Social,
para um amplo debate sobre direito autoral internacional, identidade cultural e tudo o que está relacionado ao show business.
Você, Caetano, desde já está
convidado, juntamente com as
grandes gravadoras. Será um prazer tê-lo conosco para conversar
com a sua classe. O diálogo é imprescindível e não há nada de rebelde ou radical em exigir mais
respeito e mais direitos para a
nossa classe.
Infelizmente há indícios em todo o mundo de suspeitas contra a
indústria fonográfica.
Quanto a seu pedido de veto da
lei ao presidente da República, isso causou-nos espanto, dado que
desde sempre você foi um dos defensores da numeração.
Nós temos mais conhecimento
do processo até aqui, uma enorme responsabilidade nas costas e
ninguém é criança para ser admoestado dessa maneira, sem
que tenha havido nem sequer um
pedido de esclarecimento a nós
sobre o assunto.
A numeração de CDs é viável
sim! É barata e factível. A lei pode
e deve ser aperfeiçoada e suplementada. É evidente que há que se
abrir licitações, analisar métodos,
aperfeiçoar logísticas sem a inferência do terrorismo de um suposto rigor pétreo de um só artigo
(o projeto de lei) que se resume a
duas frases. Quantos parlamentares, políticos e advogados já não
consultamos nesse processo? Será
que a Câmara dos Deputados, o
Senado, o Ministério da Justiça, o
Ministério da Cultura e todos os
técnicos que analisam o processo
são ingênuos ou ineptos?
Caetano Veloso, você que é tão
afeito a leis de trânsito não percebe que nós artistas somos pedestres felizes diante da possibilidade
de atravessar uma avenida de
ameaças com o sinal verde que a
lei nos acena? Por que você quer
avançar o sinal vermelho na carona de uma jamanta da indústria
do disco? Não somos heróis, Caetano, estamos apenas reivindicando um legítimo direito. Um
direito que é de todos nós.
Beth Carvalho e Lobão são cantores e
lideram o abaixo-assinado pela aprovação do projeto de lei que obriga a numeração de obras artísticas
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