São Paulo, quarta-feira, 10 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Empolgações do arrojo e da delicadeza

INÊS BOGÉA
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Em "4 por 4", nova coreografia de Deborah Colker, os gestos interagem com o cenário, compondo formas que desafiam a gravidade e o tempo. Cenário e tanto: obras de Cildo Meireles, Chelpa Ferro, Victor Arruda e Gringo Cardia, que acolhem e desafiam os bailarinos, atualizando em grande estilo a visão de Colker da dança como espetáculo.
Crítica possível: "espetáculo" é pouco. O sentido se esgota nas formas. Mas seria injusto exigir que a companhia não fosse o que é, e como é. O controle do tempo permanece crucial para esse sucesso: cada quadro oferece uma surpresa e termina antes que a imagem se trivialize.
Uma exceção é "Povinho", com cenário de Arruda. A dança brinca, aqui, autocomplacentemente, com a descoberta do corpo. Aposta na simplicidade -recortes de gestos que se sucedem-, mas os desenhos parecem pouco para o muito que se quer dizer. (Mesma restrição que se pode fazer à música eletrônica de Monoaural, Berna Ceppas e Kassin.)
Já em "Cantos", dialogando com Meireles, Colker monta uma sucessão de poses, que não duram mais do que segundos -suficientes para encenar o desafio da gravidade. A materialidade das esculturas só aumenta a leveza dos corpos. Mas o ponto forte da noite é "Mesa", centrada no trabalho do Chelpa Ferro. A mesa tem uma esteira rolante, onde um corpo passa pelo outro. Suas figuras, às vezes imóveis, como se levadas pelo próprio tempo, cruzam o palco uma única vez. Os corpos fazem contraponto à engrenagem exposta da mesa, num sugestivo limite da alegoria.
No mesmo espírito, Colker toca, ela mesma, com habilidade doméstica, um movimento da "Sonata K. 331" para piano, de Mozart (1756-91). Enquanto isso, duas bailarinas dançam sobre as pontas com virtuosismo total. E o palco vai sendo preenchido pelos 90 "Vasos" de Gringo Cardia, entre os quais vêm dançar os bailarinos, transformados em alegorias vivas do controle e da delicadeza.
Colker tem conquistado platéias mundo afora com espetáculos de rigor plástico e boa dose de aventura. "4 por 4" leva adiante essa concepção, apostando nas grandes imagens e no arrojo dos bailarinos, mais do que propriamente na invenção coreográfica. Encanta e empolga -dois verbos fortes, que merecem ser declinados com a devida medida de reconhecimento.
A crítica Inês Bogéa viajou a convite da produção do evento



4 por 4    
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, São Paulo, tel. 0/xx/ 11/5693-4000)
Quando: de hoje a sábado, às 21h; domingo, às 18h
Quanto: de R$ 20 a R$ 50




Texto Anterior: Dança: Deborah Colker volta a pôr os pés no chão
Próximo Texto: Marcelo Coelho
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.