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São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2003

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TEATRO

Montagem de "Diálogo" viabiliza depoimento frágil

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

A tentação é grande de afirmar que "Diálogo com a Mãe" é um texto frágil, encampado com paixão por dois atores extraordinários, por meio da sutil sensibilidade do encenador.
Isso seria abusivo, no entanto: diante de um espetáculo, como julgar o mérito do texto, como se fossem obras autônomas ou como se a arte do encenador fosse apenas a de transmitir as intenções do autor ao elenco?
Antes de tudo, é preciso dizer que a fragilidade do texto de José Eduardo Vendramini não estaria na falta de uma narrativa convencional.
Pelo contrário: para um tema delicado como a relação entre mãe e filho, o tom ingênuo e fragmentado como uma colcha de retalhos, símbolo que atravessa a peça, é corajoso e sedutor.
Essa opção pelo simbolismo, por outro lado, não leva a um hermetismo pedante. A trama é eficazmente simples: no dia do seu aniversário, um escritor tenta o suicídio, acreditando ter sido o responsável pela morte da mãe. Em devaneio, vê sua mãe voltar do paraíso para acertar com ele esses rancores antigos.
O diálogo que se trava assim é pouco mais do que um tema e variações, pequenas evocações do cotidiano, entremeadas de auto-comiseração em alguns momentos, cortadas por um humor quase infantil na descrição do paraíso, onde vivem Cacilda Becker e Sherazade em meio a competições de bordado.
O que pesa na fábula, no entanto, é uma tendência constante ao assertivo: lugares-comuns bloqueiam o conflito, conceitos prontos antecipam a descoberta do público, como quando a mãe se apresenta como camponesa.

Experiência
Em mãos menos experientes, portanto, é de imaginar que essa matéria-prima do texto possa levar a um espetáculo melodramático e raso.
Miriam Mehler, porém, é uma atriz não só experiente, mas generosa. Generosa em não querer parecer mais inteligente do que o texto, rendendo-se sem pudor ao humor de sua personagem: ela é engraçada e ingênua, e, por trás dessa simplicidade, é que se pode adivinhar a terrível mãe castradora que levou à autodestruição de seu filho.
Nelson Baskerville está à altura de Mehler, com pausas plenas e sensíveis, sempre terno, sem perder o patético. Expõe-se sem hesitar aos desafios da encenação, em busca desse difícil meio-termo entre o trágico e o pueril.
William Pereira é eficiente quando proporciona a esses saltos mortais dos atores uma rede sutil de marcas que se repetem em estrutura musical, além de uma bela cenografia, de onirismo minimalista, em muito ajudada pela luz de Wagner Freire.
Com esse endosso, "Diálogo com a Mãe" pode ser recebido pelo público pelo que tem de melhor: um despretensioso e sensível, embora desajeitado, depoimento pessoal. Frágil, no melhor sentido da palavra.


Diálogo com a Mãe
  
Texto: José Eduardo Vendramini
Direção: William Pereira
Com: Miriam Mehler e Nelson Baskerville
Onde: teatro Cultura Inglesa -Higienópolis (av. Higienópolis, 449, São Paulo, tel. 0/xx/11/3826-4322)
Quando: sex., às 21h; sáb. e dom., às 19h; até outubro
Quanto: R$ 20



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