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São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2003

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ARTES CÊNICAS

Paralisação de técnicos e artistas por reformas contratuais suspende programação dos primeiros dias do festival da cidade francesa

As brumas de Avignon

VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A AVIGNON

Imagine a organização do Festival de Teatro de Curitiba, vitrine nacional do gênero, anunciando a suspensão da abertura de uma das edições, bem como a programação do dia seguinte, porque os técnicos e os artistas decidiram cruzar os braços.
Essa situação, impensável no Brasil -guardadas as proporções-, está se passando na França. O Festival de Avignon, segundo maior evento mundial das artes cênicas depois de Edimburgo, cancelou a abertura, anteontem, e a programação de ontem.
Na cidade do sul da França, são 33 peças na mostra In, com artistas convidados, e cerca de 600 na mostra Off, com grupos franceses ou vindos de 13 países que bancam a si mesmos, contra 1.400 da cidade escocesa no ano passado.
Iniciada há duas semanas, a greve nacional francesa dos técnicos e artistas de espetáculos ao vivo, os chamados "intermittents" (temporários), colocou a noite de terça-feira na história do festival criado em 1947 pelo lendário teatrólogo francês Jean Vilar (1912-1971), ícone da popularização das artes cênicas no país.
Pela primeira vez, não acontece a abertura. Pior, as três semanas do evento podem ser abortadas porque trabalhadores e empresários seguem irredutíveis.
Segundo o diretor da Avignon Public Off, Alain Léonard, que organiza a mostra paralela desde 1982, nem em 1968 o festival foi anulado, quando várias atrações foram suspensas por causa da mobilização de estudantes e trabalhadores em toda a França.
Até o fechamento desta edição, final de tarde em Avignon (são cinco horas a mais em relação a Brasília), não havia previsão sobre as peças de hoje, terceiro dia.

Assembléias
O diretor do festival, Bernard Faivre d'Arcier, 58, passou a manhã reunido com o seu conselho administrativo, mas não se pronunciou ao final do encontro.
Na sede do evento, no Cloitre des Celestins, um claustro medieval localizado no centro da cidade, o público tinha os ingressos reembolsados enquanto eram informados, como os jornalistas, de que a agenda estava suspensa.
Os grevistas realizam assembléia a cada final de noite. São ceca de 96 mil profissionais (técnicos, atores, diretores, cenógrafos, iluminadores etc.) que atuam em teatro, TV e cinema.
Eles rejeitam sobretudo a redução progressiva de 12 para dez meses no cumprimento da carga mínima de 507 horas, o que confere abono do governo para os períodos em que não há contrato com produções.
É uma das medidas do acordo assinado no dia 27 de junho pelo sindicato patronal (Medef) e por três sindicatos minoritários dos trabalhadores (CFDT, CFTC e CGC).
O estatuto está em vigor desde 1969. O ministro da Cultura e da Comunicação, Jean-Jacques Aillagon, apóia as mudanças. O governo e as empresas apontam abusos de alguns profissionais que recebem do Estado e ganham de produções paralelas.
Já os técnicos e artistas, capitaneados pelo sindicato majoritário, o CGT, procuram despertar a sociedade para o que chamam de "culturendanger", a cultura em perigo, medidas aprovadas pelos governantes nos últimos anos que colocariam em marcha a ré conquistas históricas do país no campo da criação artística.
"Somos o único país com um regime específico para os técnicos e artistas, um modelo que deveria ser adotado por outros países, e não nos aliamos àqueles que não assumem uma política cultural efetiva", afirma Léonard, do Avignon Off.
Os acontecimentos em Avigon sucederam o cancelamento do Festival Montpellier Danse. Nesta semana, também anunciaram suspensão, por causa da greve, eventos de música erudita, ópera, jazz e cinema, do interior a Paris.


O jornalista Valmir Santos viajou a convite dos festivais de Avignon e Printemps des Comédiens, da Afaa (Associação Francesa de Ação Artística) e do Consulado Geral da França em São Paulo


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