|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTES CÊNICAS
Paralisação de técnicos e artistas por reformas contratuais suspende programação dos primeiros dias do festival da cidade francesa
As brumas de Avignon
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A AVIGNON
Imagine a organização do Festival de Teatro de Curitiba, vitrine
nacional do gênero, anunciando a
suspensão da abertura de uma
das edições, bem como a programação do dia seguinte, porque os
técnicos e os artistas decidiram
cruzar os braços.
Essa situação, impensável no
Brasil -guardadas as proporções-, está se passando na França. O Festival de Avignon, segundo maior evento mundial das artes cênicas depois de Edimburgo,
cancelou a abertura, anteontem, e
a programação de ontem.
Na cidade do sul da França, são
33 peças na mostra In, com artistas convidados, e cerca de 600 na
mostra Off, com grupos franceses
ou vindos de 13 países que bancam a si mesmos, contra 1.400 da
cidade escocesa no ano passado.
Iniciada há duas semanas, a greve nacional francesa dos técnicos
e artistas de espetáculos ao vivo,
os chamados "intermittents"
(temporários), colocou a noite de
terça-feira na história do festival
criado em 1947 pelo lendário teatrólogo francês Jean Vilar (1912-1971), ícone da popularização das
artes cênicas no país.
Pela primeira vez, não acontece
a abertura. Pior, as três semanas
do evento podem ser abortadas
porque trabalhadores e empresários seguem irredutíveis.
Segundo o diretor da Avignon
Public Off, Alain Léonard, que organiza a mostra paralela desde
1982, nem em 1968 o festival foi
anulado, quando várias atrações
foram suspensas por causa da
mobilização de estudantes e trabalhadores em toda a França.
Até o fechamento desta edição,
final de tarde em Avignon (são
cinco horas a mais em relação a
Brasília), não havia previsão sobre as peças de hoje, terceiro dia.
Assembléias
O diretor do festival, Bernard
Faivre d'Arcier, 58, passou a manhã reunido com o seu conselho
administrativo, mas não se pronunciou ao final do encontro.
Na sede do evento, no Cloitre
des Celestins, um claustro medieval localizado no centro da cidade, o público tinha os ingressos
reembolsados enquanto eram informados, como os jornalistas, de
que a agenda estava suspensa.
Os grevistas realizam assembléia a cada final de noite. São ceca de 96 mil profissionais (técnicos, atores, diretores, cenógrafos,
iluminadores etc.) que atuam em
teatro, TV e cinema.
Eles rejeitam sobretudo a redução progressiva de 12 para dez
meses no cumprimento da carga
mínima de 507 horas, o que confere abono do governo para os períodos em que não há contrato
com produções.
É uma das medidas do acordo
assinado no dia 27 de junho pelo
sindicato patronal (Medef) e por
três sindicatos minoritários dos
trabalhadores (CFDT, CFTC e
CGC).
O estatuto está em vigor desde
1969. O ministro da Cultura e da
Comunicação, Jean-Jacques Aillagon, apóia as mudanças. O governo e as empresas apontam
abusos de alguns profissionais
que recebem do Estado e ganham
de produções paralelas.
Já os técnicos e artistas, capitaneados pelo sindicato majoritário, o CGT, procuram despertar a
sociedade para o que chamam de
"culturendanger", a cultura em
perigo, medidas aprovadas pelos
governantes nos últimos anos que
colocariam em marcha a ré conquistas históricas do país no campo da criação artística.
"Somos o único país com um
regime específico para os técnicos
e artistas, um modelo que deveria
ser adotado por outros países, e
não nos aliamos àqueles que não
assumem uma política cultural
efetiva", afirma Léonard, do Avignon Off.
Os acontecimentos em Avigon
sucederam o cancelamento do
Festival Montpellier Danse. Nesta
semana, também anunciaram
suspensão, por causa da greve,
eventos de música erudita, ópera,
jazz e cinema, do interior a Paris.
O jornalista Valmir Santos viajou a convite dos festivais de Avignon e Printemps des Comédiens, da Afaa (Associação Francesa de Ação Artística) e do Consulado Geral da França em São Paulo
Texto Anterior: Panorâmica - Cinema: "Madame Satã" é elogiado pelo "New York Times" Próximo Texto: Gastronomia: Os piemonteses estão chegando Índice
|