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São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2003

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GASTRONOMIA

Os piemonteses estão chegando

NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA

Estamos no centro de São Paulo, no Circolo Italiano, muitas mesas animadas, gesticulação tão típica, um vago sentimento de estar dentro de um filme italiano dos 50, tenteando para ver se reconhecemos alguém. Alida Valli, talvez? São Paulo, como não poderia deixar de ser, é a primeira sede da Ambasciata del Gusto, que vem para ficar e promover as tradições gastronômicas do Piemonte. História, cultura e "prodotti". Um Barolo, um Barbaresco, um queijo Bra, um Castelmagno, variedades de Carnaroli e Arborio e o giandujoto, ai, o giandujoto!
Logo somos envolvidos pelas pessoas, pela afetuosidade palpável do italiano, pelo carinho, pelo abraço, pelo beijo e, principalmente, pelos nomes. O mundo inteiro tem seus 15 minutos de glória nos tempos de hoje, mas na Itália, não, as pessoas têm nome e título o tempo inteiro, identificam-se pelo cargo e profissão, são "comendatori", "senatori", embaixadores, advogados, consultores, engenheiros, cozinheiros, jornalistas, o que me parece que fortifica a identidade, estabelece as hierarquias, todos sabem em que chão estão pisando.
E o que existe de bom para comer nesse pedaço da Itália, no joelho da bota, lá no norte? Muita coisa, vamos ficar sabendo logo, mas, com certeza, queijo, salame, chocolate e vinhos.
Ao meu lado, a senhora colaboradora do jornal "Fanfulla" é a graça em pessoa, tem um amplo repertório de conversas boas para o jantar. Fuma, fala, ri. O senhor de bigodes brancos vai tomando um ar terno atrás dos óculos à medida que chega o vinho piemontês, e os bigodes se curvam devagarzinho, um pouco mais nas pontas, no ponto ótimo de serem cofiados, como os de Vittorio Emmanuelle.
O Piemonte quer fazer negócios com o Brasil, o Piemonte quer trazer sua comida e sua bebida para o Brasil e está se estabelecendo na sede da Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio e Indústria.
Os piemonteses daqui, que comem arroz com feijão, banana-da-terra, cocada e, quiçá, pequi, querem tornar conhecido o Piemonte ao brasileiro. Sedes das embaixadas serão inauguradas Brasil afora para promover e valorizar a região que deixaram há muito tempo e com que sempre sonham já brasileiros, filhos, netos e bisnetos do lugar.
Era o que diziam os discursos que, subitamente, religiosamente, paravam porque um mais alto valor se alevantava. O jantar que chegava, o arroz que não poderia esperar um minuto a mais. E da porta da cozinha surgiam garçons curvados sob o peso de grandes bandejas de arroz branco. A princípio nada tentadoras. Nem uma salsinha? Uma erbette, pelo menos, interrogava-se a correspondente do "Fanfulla".
Branco, sem cara e sem outra cor, o arroz de Vercelli! Hurras para Vercelli quando o fato foi mencionado.
Telegrama do presidente da Itália, mandado para a ocasião exaltando il riso (Silvana Mangano, "Arroz Amargo"), lembramo-nos os mais velhos.
A correspondente do "Fanfulla", sempre solícita, logo me ensina a derramar meio cálice do vinho branco frisante, o Erbaluce di Calusso, no fundo do prato e, quando o garçom despejou fartamente o arroz quente por cima, o vinho se aqueceu e espumou em bolhinhas. E mais o queijo. "O arroz nasce na água e morre no vinho." Faltaram as trufas brancas, mas o dia das trufas chegará, e era bom, muito bom.
O boi não pôde vir por motivo de força maior, ficamos com o boi daqui mesmo, mas foi substituído por uma carta do presidente do Senado italiano nos saudando e exaltando as virtudes do boi que ficara em casa.
Os queijos com cheiro de sotto il cielo, fortes, gosto de capim, denominazione di origine protetta.
E a sobremesa era gianduia, hum, um doce de chocolate feito de biscoitos e avelãs moídas. Acompanhada por um vinho de sobremesa, Passito di Calusso -nome de tango, mas é a versátil uva erbaluce, de nome iluminado, aparecendo de novo, ela que já tinha dado o espumante.
Nada a reclamar, acenderam-se cigarros, cachimbos, charutos, todo mundo muito confortável dentro de seus nomes e especialidades. Vejam uma receita "se gianduia", sem farinha.
Torta di nocciolle: 200 gramas de avelãs, 50 gramas de açúcar, duas colheres em pó de cacau (opcional), sal, cinco ovos separados.
Toste as avelãs a 170º por 20 a 25 minutos. Enrole as avelãs em toalha para esfriá-las por dez minutos e esfregue-as com força, dentro da toalha, para que soltem a maior parte da pele. Moa as avelãs com o açúcar, o cacau e uma pitadinha de sal no processador na tecla "pulsar". Numa tigela grande, misture tudo com as gemas. Bata as claras quase duras. Vá misturando-as aos poucos e muito de leve com as avelãs. Asse em fôrma de 25 centímetros de diâmetro, untada e polvilhada de farinha de trigo, em fogo médio, até que a torta se desgrude da fôrma em toda a volta por cerca de 30 minutos. Deixe esfriar por dez minutos e desenforme. Sirva com Moscato d'Asti.


@ - ninahort@uol.com.br


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