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GASTRONOMIA
Os piemonteses estão chegando
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
Estamos no centro de São
Paulo, no Circolo Italiano,
muitas mesas animadas, gesticulação tão típica, um vago sentimento de estar dentro de um filme italiano dos 50, tenteando para ver se reconhecemos alguém.
Alida Valli, talvez? São Paulo, como não poderia deixar de ser, é a
primeira sede da Ambasciata del
Gusto, que vem para ficar e promover as tradições gastronômicas do Piemonte. História, cultura
e "prodotti". Um Barolo, um Barbaresco, um queijo Bra, um Castelmagno, variedades de Carnaroli e Arborio e o giandujoto, ai, o
giandujoto!
Logo somos envolvidos pelas
pessoas, pela afetuosidade palpável do italiano, pelo carinho, pelo
abraço, pelo beijo e, principalmente, pelos nomes. O mundo inteiro tem seus 15 minutos de glória nos tempos de hoje, mas na
Itália, não, as pessoas têm nome e
título o tempo inteiro, identificam-se pelo cargo e profissão, são
"comendatori", "senatori", embaixadores, advogados, consultores, engenheiros, cozinheiros, jornalistas, o que me parece que fortifica a identidade, estabelece as
hierarquias, todos sabem em que
chão estão pisando.
E o que existe de bom para comer nesse pedaço da Itália, no joelho da bota, lá no norte? Muita
coisa, vamos ficar sabendo logo,
mas, com certeza, queijo, salame,
chocolate e vinhos.
Ao meu lado, a senhora colaboradora do jornal "Fanfulla" é a
graça em pessoa, tem um amplo
repertório de conversas boas para
o jantar. Fuma, fala, ri. O senhor
de bigodes brancos vai tomando
um ar terno atrás dos óculos à
medida que chega o vinho piemontês, e os bigodes se curvam
devagarzinho, um pouco mais
nas pontas, no ponto ótimo de serem cofiados, como os de Vittorio
Emmanuelle.
O Piemonte quer fazer negócios
com o Brasil, o Piemonte quer trazer sua comida e sua bebida para
o Brasil e está se estabelecendo na
sede da Câmara Ítalo-Brasileira
de Comércio e Indústria.
Os piemonteses daqui, que comem arroz com feijão, banana-da-terra, cocada e, quiçá, pequi,
querem tornar conhecido o Piemonte ao brasileiro. Sedes das
embaixadas serão inauguradas
Brasil afora para promover e valorizar a região que deixaram há
muito tempo e com que sempre
sonham já brasileiros, filhos, netos e bisnetos do lugar.
Era o que diziam os discursos
que, subitamente, religiosamente,
paravam porque um mais alto valor se alevantava. O jantar que
chegava, o arroz que não poderia
esperar um minuto a mais. E da
porta da cozinha surgiam garçons
curvados sob o peso de grandes
bandejas de arroz branco. A princípio nada tentadoras. Nem uma
salsinha? Uma erbette, pelo menos, interrogava-se a correspondente do "Fanfulla".
Branco, sem cara e sem outra
cor, o arroz de Vercelli! Hurras
para Vercelli quando o fato foi
mencionado.
Telegrama do presidente da Itália, mandado para a ocasião exaltando il riso (Silvana Mangano,
"Arroz Amargo"), lembramo-nos
os mais velhos.
A correspondente do "Fanfulla", sempre solícita, logo me ensina a derramar meio cálice do vinho branco frisante, o Erbaluce di
Calusso, no fundo do prato e,
quando o garçom despejou fartamente o arroz quente por cima, o
vinho se aqueceu e espumou em
bolhinhas. E mais o queijo. "O arroz nasce na água e morre no vinho." Faltaram as trufas brancas,
mas o dia das trufas chegará, e era
bom, muito bom.
O boi não pôde vir por motivo
de força maior, ficamos com o boi
daqui mesmo, mas foi substituído
por uma carta do presidente do
Senado italiano nos saudando e
exaltando as virtudes do boi que
ficara em casa.
Os queijos com cheiro de sotto il
cielo, fortes, gosto de capim, denominazione di origine protetta.
E a sobremesa era gianduia,
hum, um doce de chocolate feito
de biscoitos e avelãs moídas.
Acompanhada por um vinho de
sobremesa, Passito di Calusso
-nome de tango, mas é a versátil
uva erbaluce, de nome iluminado,
aparecendo de novo, ela que já tinha dado o espumante.
Nada a reclamar, acenderam-se
cigarros, cachimbos, charutos, todo mundo muito confortável
dentro de seus nomes e especialidades. Vejam uma receita "se
gianduia", sem farinha.
Torta di nocciolle: 200 gramas
de avelãs, 50 gramas de açúcar,
duas colheres em pó de cacau (opcional), sal, cinco ovos separados.
Toste as avelãs a 170º por 20 a 25
minutos. Enrole as avelãs em toalha para esfriá-las por dez minutos e esfregue-as com força, dentro da toalha, para que soltem a
maior parte da pele. Moa as avelãs
com o açúcar, o cacau e uma pitadinha de sal no processador na tecla "pulsar". Numa tigela grande,
misture tudo com as gemas. Bata
as claras quase duras. Vá misturando-as aos poucos e muito de
leve com as avelãs. Asse em fôrma
de 25 centímetros de diâmetro,
untada e polvilhada de farinha de
trigo, em fogo médio, até que a
torta se desgrude da fôrma em toda a volta por cerca de 30 minutos. Deixe esfriar por dez minutos
e desenforme. Sirva com Moscato
d'Asti.
@ - ninahort@uol.com.br
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