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TELEVISÃO
"JK", sobre a trajetória do presidente brasileiro, é o quinto programa de Maria Adelaide Amaral na Globo em sete anos
Minissérie retrata a vida de Kubitschek
DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Os livros abertos sobre uma cama e uma pequena escrivaninha
denunciam que algo está improvisado. "Isso aqui é muito apertado, um sufoco", reclama a jornalista, escritora e dramaturga Maria Adelaide Amaral, 62. E deixa
escrito na tela do computador esse curto diálogo:
JK - Um dia eu vou para além
daquelas montanhas.
Alkmim - Eu também.
A fala faz parte do primeiro episódio de "JK", minissérie de 53 capítulos que a Globo exibirá de janeiro a abril de 2006. JK é Juscelino Kubitschek (1902-1976), o presidente da República (1956-1961)
que se elegeu prometendo realizar 50 anos em 5, construiu Brasília e entrou para a história como
desenvolvimentista.
Alkmim é o famoso político mineiro José Maria Alkmim, que,
muitos anos depois da passagem
acima, seria ministro da Fazenda
de JK, que romperia com o FMI
(Fundo Monetário Internacional). O mineiro JK, interpretado
por Wagner Moura e José Wilker,
será o protagonista.
Maria Adelaide escreve a minissérie em um apartamento em Higienópolis, onde mora temporariamente. Seu outro apartamento,
muito mais amplo, no mesmo
bairro de São Paulo, está em reforma. Deu cupim nos móveis,
que comeram até alguns livros.
Seu trabalho ocupa um dos
quartos. Sobre uma cama, ela espalha livros e cópias de escritos
com trechos marcados com canetas coloridas, inspiração para seqüências, diálogos e climas da minissérie. Ela ainda tem outra base
de produção, uma casa na serra
da Cantareira, na zona norte de
São Paulo.
Da estante, Maria Adelaide destaca cerca de 70 livros que usou
em sua pesquisa para escrever sobre Juscelino Kubitschek, desafio
que iniciou há um ano. Há volumosos tomos de memórias de JK,
muitos livros sobre e escritos por
Carlos Lacerda (que na minissérie
será "antagonista político"), um
do arquiteto Oscar Niemeyer
(que também será personagem),
outros sobre assessores de JK, como o empresário Augusto Frederico Schmidt, dono da rede de supermercados Disco e que Maria
Adelaide define como "uma mistura de Olavo Bilac e Duda Mendonça de JK". Na minissérie, ele
será interpretado por Antonio
Calloni.
Na prateleira também há obras
de ficção, como "A Borboleta
Amarela", de Rubem Braga, com
crônicas da época de JK. "Até
aquilo que não parece importante
é. Uma coisa que me ajudou a dar
o clima de Minas Gerais foram as
memórias do [escritor] Pedro Nava", diz a autora.
De um armário que já foi guarda-roupa, Maria Adelaide tira
mais material de pesquisa -jornais, revistas e relatórios da construção de Brasília, além de uma
cópia do diário que Juscelino
manteve de 1973 até a morte, cedida pelo jornalista Elio Gaspari,
que, ao lado do também jornalista
Zuenir Ventura, é um dos incentivadores da idéia de uma minissérie sobre Kubitschek.
Maria Adelaide Amaral dividirá
a autoria de "JK" com Alcides Nogueira, seu parceiro em "Um Só
Coração" (2004), Geraldinho Carneiro (cujo pai, Geraldo Carneiro,
foi secretário de JK), Letícia Mey
(que escreveu uma biografia romanceada de Augusto Frederico
Schmidt, o "homem dos slogans") e com seu filho Rodrigo
Amaral, arquiteto, que escreverá
"a história arquitetônica e urbanística, de Pampulha a Brasília".
Ela conta ainda com a pesquisadora Madalena Prado. A direção-geral será de Dennis Carvalho. A
produção começa para valer na
segunda quinzena de julho. Um
de seus desafios será reproduzir a
construção de Brasília.
Currículo
"JK" será a quinta minissérie
que Maria Adelaide assina em sete anos. Das últimas seis exibidas
pela Globo no verão, quatro são
dela ("A Muralha", de 2000, "Os
Maias", de 2001, "A Casa das Sete
Mulheres", de 2003, e "Um Só Coração"). Ela dominou o espaço
mais desejado pelos autores da
Globo -"Todos querem fazer
minissérie", diz Maria Adelaide- com textos que têm em comum (exceto "Os Maias") o fato
de misturarem romance folhetinesco com história do Brasil, o
que dá prestígio à emissora, admite.
"Foi coincidência", diz a portuguesa naturalizada brasileira Maria Adelaide sobre a descoberta
do "filão" histórico. "Eu gosto de
história, sinto prazer na investigação, mas não tenho a pretensão de
fazer produto educacional. Meu
olhar não é de documentarista,
historiadora. É de ficcionista que
gosta de história. A minha leitura
de todos esses livros é em termos
dramáticos. Toda vez que leio,
destaco aquilo que dá cena. Minha função não é documentar,
mas contar uma história emocionante. Não vou mobilizar interesse em "JK" se não conseguir emocionar", afirma.
"JK" terá, além da trama sobre
Juscelino Kubitschek, duas subtramas principais: uma amorosa,
fictícia, e outra que mostrará a juventude da empresária da noite
paulistana Lilian Gonçalves, que
foi miss Brasília.
Humano
A trama principal deve trazer
um JK humanizado. A minissérie
contará sua história desde o nascimento, em Diamantina (MG),
até o velório, em 1976, "a primeira
manifestação para valer na ditadura". "Ele foi um menino pobre.
Depois da morte do pai, aos três
anos, só foi ter sapato aos 14, no
seminário", diz Maria Adelaide.
Kubitschek se formou médico
"pelo esforço", acredita. "Trabalhava à noite nos Telégrafos e estudava o dia todo. Dormia das 19h
às 23h. Entre a formatura e o primeiro carro, levou apenas um
ano. Tinha uma clínica extremamente bem-sucedida", conta Maria Adelaide.
O médico urologista, em 1934,
entrou para a política. Elegeu-se
deputado, foi prefeito nomeado
de Belo Horizonte, governador
eleito de Minas Gerais e presidente de uma época tida como glamourosa da República. Em 1964,
teve seu mandato de senador cassado pela ditadura militar. Morreu em um acidente de carro. "Ele
não morreu rico. Aquela coisa de
que era a sétima fortuna do mundo não procede. Mesmo no diário
[nos últimos anos de vida], ele reclama da falta de dinheiro", relata.
A minissérie será narrada por Kubitschek.
No último mês, Maria Adelaide
embarcou para uma folga de dez
dias em Paris, onde sua peça "Mademoiselle Chanel" foi apresentada. Voltou a escrever há duas semanas. Está no segundo tratamento do primeiro capítulo e admite que pode mudá-lo de novo.
"Estou começando a achar o tom.
É necessário dormir sobre o capítulo. Minissérie permite isso."
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