São Paulo, sábado, 10 de julho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA QUADRINHOS

"Cachalote" cria estilo gráfico de alto nível

Gênero sem tradição no Brasil, HQ de aventura ganha ânimo com trabalho de Daniel Galera e Rafael Coutinho

ZIRALDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Venho do tempo em que o desenhista de HQ se assustava se alguém o chamasse de artista. E não entendia a razão pela qual pudesse ocorrer a esse admirador a ideia de fazer uma exposição de seus trabalhos.
Sou do tempo da chamada época de ouro do gênero, de quando a HQ começava a se transformar num dos símbolos maiores da chamada cultura de massa (sem ter a menor ideia de que isto pudesse vir a significar).
Alguns de nós ainda estão por aí. Alvaro de Moya, por exemplo, que foi um dos organizadores da primeira exposição global de originais da HQ mundial -ou seja, do comic americano- pode confirmar o susto que alguns dos desenhistas convidados -entre eles, Hal Foster, Alex Raymond, Burne Hogarth- levaram quando o convite chegou às suas mãos: "Exposição??? Mas nós somos apenas desenhistas de comics".
E mandaram seus lindos originais para o Brasil. Alguns que, no mercado americano de arte, valem hoje alguns milhares de dólares. Estes artistas maravilhosos e seus quadrinhos voadores encantavam os jovens brasileiros daquele tempo.

PIONEIRISMO
Os vocacionados, aqui no Rio, foram para os braços pioneiros de Adolfo Aizem fundar o Suplemento Juvenil. Mas a HQ de aventura não progrediu no Brasil como se sonhava.
E, então, as agências de publicidade, que ainda usavam os chamados arte-finalistas para desenhar seus anúncios, absorveram o talento dos mais capazes, como Fernando Dias da Silva, por exemplo, que Alex Raymond mandou chamar e que foi para os Estados Unidos.
Mas não fui convidado pela Folha para contar a história da HQ no Brasil, mas para fazer a resenha do "Cachalote" de Daniel Galera e Rafael Coutinho.
Devo ter estourado meu espaço, mas quero lembrar que a semelhança dos dois tempos -o meu e o dos meninos Daniel e Rafael- está em que o Brasil não criou espaço em sua cultura para desenvolver uma indústria de HQ de aventura própria, apesar do fantástico, incrível, inacreditável talento de muitos dos nossos jovens artistas de hoje e de tempos recentes.

INFANTIL
A HQ nacional só adentrou o universo da cultura de massa no gênero que inclui o locutor que vos fala e o Mauricio [de Sousa]: a HQ infantil.
Que acabou no mundo, sobrevivendo apenas aqui, com o Mauricio, e na revista "Topolino", na Itália.
O grande mistério está em que, sem um mercado de trabalho realmente compensador, tenhamos visto desenvolver-se no Brasil artistas tão maravilhosos quanto os americanos, franceses, espanhóis e argentinos.
Eu levo um susto quando os descubro. Como fiz agora, lendo a muito bem bolada aventura criada pelo Daniel e desenhada, primorosamente, pelo Rafael.
Um é um dramaturgo -ou roteirista- para Billy Wilder nenhum botar defeito, e o outro, um ilustrador cujo desenho consegue uma linguagem gráfica de altíssimo nível, bom demais para uma exposição de arte. Isto sem que ele se assuste se lhe fizerem um convite para este fim.

ZIRALDO é desenhista e autor de "O Menino Maluquinho" (Editora Melhoramentos)



CACHALOTE

AUTORES Daniel Galera e Rafael Coutinho
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 45 (280 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo



Texto Anterior: Não Ficção
Próximo Texto: Escritor cria série juvenil para manter atenção do filho
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.