São Paulo, sexta, 10 de julho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARKÁDINA, A DIVA
Fernanda Montenegro vive atriz "fechada em idolatria'

da Reportagem Local

Fernanda Montenegro, ao entrar no palco em "Da Gaivota", num ensaio aberto, foi aplaudida. Mas ela não se considera uma diva, que é o que seu personagem, a também atriz Arkádina, representa. Mas considera o papel "um exercício muito engraçado", porque "não tem bom-mocismo, nem com filho, nem com ninguém". (NS)

Folha - Como você construiu a Arkádina? Qual é a relação que você faz entre ela e você mesma?
Fernanda Montenegro -
A Arkádina tem o vício do divismo. Eu acho que hoje, no campo das artes cênicas, restou um certo saudosismo desse poder mágico, misterioso, de as pessoas seguirem o ator com carruagens. Fica na memória, porque nós estamos muito perto desse século que acabou há cem anos. Mas hoje a gente tem uma visão crítica e vê que é uma deformação. A última grande veneração foi (Maria) Callas. Foi a última grande diva, na medida em que eu compreendo uma grande diva, que fica na memória do mundo.
Folha - Mas é quase imediato que se faça uma relação de diva com você, no Brasil.
Montenegro -
É, mas não acho que eu seja uma diva. Eu não sou uma atriz romântica. O divismo está ligado também a essa visão exacerbada do romantismo. Dentro da estrutura clássica do teatro, ninguém passava diante e ninguém dava as costas para a grande figura, ao sair de cena. As pessoas saíam de costas.
Isso tudo é muito interessante, como matéria de trabalho. Mas não corresponde mais. Você pode ser reverenciado, você pode ser respeitado, mas não se chega a essa medida. No Brasil, figuras nacionais, do sul ao norte, eu vi com Procópio (Ferreira). Vi um pouco com Dulcina. Eu vi o Procópio em cena. Era um fogo vivo. Um ator no esplendor dessa herança do ator brasileiro, do improviso, da presença dinâmica, dele com a platéia.
Folha - Você está construindo a Arkádina, que é isso.
Montenegro -
É. Eu acho que as divas são desumanas. São fechadas num culto a si mesmas, numa idolatria. Não que não tenham sentimentos por outras zonas da vida, mas estão bloqueadas numa trajetória altamente competitiva e autocompetitiva. Não tem bom-mocismo nesse nível das divas. Não tem.
Folha - Mas existe alguma coisa de Fernanda Montenegro nesse personagem que você está construindo?
Montenegro -
Existe alguma referência de algumas extraordinárias atrizes que eu vi. Eu trabalhei três anos com (Henriette) Morineau. E ela era, segundo Décio de Almeida Prado, um primeiro-ministro em cena. Pisava forte, pisava firme. Tem também um "se exibir", um "olha a minha luz". Não tem nenhuma modéstia na sua emissão. A sua figura é maior do que a arquitetura do teatro. É o teatro. É um exercício muito engraçado, porque não tem bom-mocismo. Nem com filho, nem com ninguém. É por cima mesmo. Mata quem for.
Folha - Obviamente, você não é uma romântica.
Montenegro -
Acho que não sou. Talvez eu não queira me reconhecer uma romântica.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.