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ARKÁDINA, A DIVA
Fernanda Montenegro vive
atriz "fechada em idolatria'
da Reportagem Local
Fernanda Montenegro, ao
entrar no palco em "Da Gaivota", num ensaio aberto, foi
aplaudida. Mas ela não se considera uma diva, que é o que
seu personagem, a também
atriz Arkádina, representa.
Mas considera o papel "um
exercício muito engraçado",
porque "não tem bom-mocismo, nem com filho, nem com
ninguém".
(NS)
Folha - Como você construiu
a Arkádina? Qual é a relação
que você faz entre ela e você
mesma?
Fernanda Montenegro - A
Arkádina tem o vício do divismo. Eu acho que hoje, no campo das artes cênicas, restou um
certo saudosismo desse poder
mágico, misterioso, de as pessoas seguirem o ator com carruagens. Fica na memória,
porque nós estamos muito perto desse século que acabou há
cem anos. Mas hoje a gente tem
uma visão crítica e vê que é
uma deformação. A última
grande veneração foi (Maria)
Callas. Foi a última grande diva, na medida em que eu compreendo uma grande diva, que
fica na memória do mundo.
Folha - Mas é quase imediato
que se faça uma relação de diva com você, no Brasil.
Montenegro - É, mas não
acho que eu seja uma diva. Eu
não sou uma atriz romântica.
O divismo está ligado também
a essa visão exacerbada do romantismo. Dentro da estrutura
clássica do teatro, ninguém
passava diante e ninguém dava
as costas para a grande figura,
ao sair de cena. As pessoas
saíam de costas.
Isso tudo é muito interessante, como matéria de trabalho.
Mas não corresponde mais.
Você pode ser reverenciado,
você pode ser respeitado, mas
não se chega a essa medida. No
Brasil, figuras nacionais, do sul
ao norte, eu vi com Procópio
(Ferreira). Vi um pouco com
Dulcina. Eu vi o Procópio em
cena. Era um fogo vivo. Um
ator no esplendor dessa herança do ator brasileiro, do improviso, da presença dinâmica,
dele com a platéia.
Folha - Você está construindo
a Arkádina, que é isso.
Montenegro - É. Eu acho
que as divas são desumanas.
São fechadas num culto a si
mesmas, numa idolatria. Não
que não tenham sentimentos
por outras zonas da vida, mas
estão bloqueadas numa trajetória altamente competitiva e
autocompetitiva. Não tem
bom-mocismo nesse nível das
divas. Não tem.
Folha - Mas existe alguma
coisa de Fernanda Montenegro
nesse personagem que você
está construindo?
Montenegro - Existe alguma referência de algumas extraordinárias atrizes que eu vi.
Eu trabalhei três anos com
(Henriette) Morineau. E ela
era, segundo Décio de Almeida
Prado, um primeiro-ministro
em cena. Pisava forte, pisava
firme. Tem também um "se
exibir", um "olha a minha
luz". Não tem nenhuma modéstia na sua emissão. A sua figura é maior do que a arquitetura do teatro. É o teatro. É um
exercício muito engraçado,
porque não tem bom-mocismo. Nem com filho, nem com
ninguém. É por cima mesmo.
Mata quem for.
Folha - Obviamente, você
não é uma romântica.
Montenegro - Acho que não
sou. Talvez eu não queira me
reconhecer uma romântica.
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