|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TEATRO
Peça dirigida por Daniela Thomas faz sua pré-estréia hoje em Curitiba e entra em cartaz em SP em setembro
"Gaivota" opõe no palco gerações da arte
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
Antônio Abujamra, que faz um
pequeno papel em "Da Gaivota",
aceitou porque, afinal de contas, é
Tchecov. Grandes atores, atores
iniciantes ou divas sonham interpretar os personagens, dizer as falas do russo Anton Tchecov.
Não é só pelo centenário do lendário Teatro de Arte de Moscou,
que encenou as suas maiores peças, que o dramaturgo vem reunindo elencos grandiosos.
Em "Da Gaivota" estão Fernanda Montenegro, prêmio de melhor
atriz no Festival de Berlim, Fernanda Torres, prêmio de melhor
atriz no Festival de Cannes, Celso
Frateschi, cria do Teatro de Arena,
Nelson Dantas, cria do cinema novo, Matheus Nachtergaele, protagonista de "O Livro de Jó", e o citado Abujamra.
A peça faz sua pré-estréia hoje,
às 21h, em Curitiba, no teatro
Guaíra. Estréia em São Paulo em
setembro.
Quem juntou tamanho elenco
foi Daniela Thomas, que estréia na
direção depois de trabalhos de excelência com Gerald Thomas e Bete Coelho, como cenógrafa,
co-criadora e autora. "A coisa
dessa peça é que ela é extremamente democrática", diz, "cada
um tem seu monólogo".
Seu objetivo, desde o início, foi
encontrar um elenco à altura. "O
que eu fiz, de direção, nessa peça?", pergunta. "Escolher um
elenco em que a bola não caísse."
Fez mais. No último fim-de-semana, um ensaio aberto da encenação em Santo André (SP) recebeu largos elogios de José Celso
Martinez Corrêa, diretor de um
Tchecov histórico no Brasil, "As
Três Irmãs". Para ele, é possível
ver a mão de Daniela Thomas em
cada fala da peça, trabalhada ao
menor detalhe.
A diretora confirma. "A peteca
não cai. Ela sai da mão de um ator
que está defendendo muito bem
para outro. Isso a gente conseguiu."
"Da Gaivota" é a primeira produção conjunta de Fernanda
Montenegro e Fernanda Torres,
mãe e filha, mas a diretora e as
atrizes querem desvincular o jogo
de mãe e filha do espetáculo. As
duas já passaram por situação
igual em "The Flash and Crash
Days", de 91, e não desejam insistir no tema.
"É o gancho da mídia para a peça", diz Daniela Thomas. "Mas é
realmente irrelevante no processo
de trabalho. O que tem ali, que a
gente brincou, são os 'geriactors' e
os 'pediactors'." Os atores mais
velhos, como Montenegro e Dantas, e os mais novos, como Torres
e Nachtergaele.
O que a montagem fez foi reunir
atores de escolas e gerações diversas, do brechtiano Celso Frateschi
à realista Fernanda Montenegro. A
tradução/adaptação é da própria
diretora.
"Eu peguei muita coisa", diz ela.
"Fiz um círculo em volta, maluco,
com umas cinco traduções inglesas, duas francesas, algumas portuguesas de Portugal, espanholas.
E saí brincando, escolhendo o que
eu achei o som mais legal."
Cortou vários personagens, como Macha, para concentrar-se no
conflito das atrizes (a diva Arkádina e a jovem Nina) e dos escritores
(o talentoso Trigorin e o jovem
Treplev, filho de Arkádina), daí o
título "Da Gaivota" e não o original "A Gaivota".
"A peça é sobre duas vertentes
do nascimento do artista", diz. "É
da Nina e do Treplev. A Nina faz o
ritual de passagem. Ela fala que,
para conseguir a fama, suportaria
miséria, repúdio. Depois descobre
que o importante é perseverar.
Transcende o drama pessoal e entra no universo do artista."
Treplev é diferente. "É um cara
que não consegue sair de seu universo. Ele fala no final: "Continuo
no caos dos delírios e das imagens,
sem saber por quê', que eu acho
que é a sina do artista moderno."
Quanto a Arkádina e Trigorin,
são os pais do artista moderno.
"Eles estão ali para nos dar uma
noção do que os artistas que nasceram neste século tiveram que
enfrentar, contra o que tiveram
que lutar."
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|