São Paulo, sexta, 10 de julho de 1998

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TEATRO
Peça dirigida por Daniela Thomas faz sua pré-estréia hoje em Curitiba e entra em cartaz em SP em setembro
"Gaivota" opõe no palco gerações da arte

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Antônio Abujamra, que faz um pequeno papel em "Da Gaivota", aceitou porque, afinal de contas, é Tchecov. Grandes atores, atores iniciantes ou divas sonham interpretar os personagens, dizer as falas do russo Anton Tchecov.
Não é só pelo centenário do lendário Teatro de Arte de Moscou, que encenou as suas maiores peças, que o dramaturgo vem reunindo elencos grandiosos.
Em "Da Gaivota" estão Fernanda Montenegro, prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim, Fernanda Torres, prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes, Celso Frateschi, cria do Teatro de Arena, Nelson Dantas, cria do cinema novo, Matheus Nachtergaele, protagonista de "O Livro de Jó", e o citado Abujamra.
A peça faz sua pré-estréia hoje, às 21h, em Curitiba, no teatro Guaíra. Estréia em São Paulo em setembro.
Quem juntou tamanho elenco foi Daniela Thomas, que estréia na direção depois de trabalhos de excelência com Gerald Thomas e Bete Coelho, como cenógrafa, co-criadora e autora. "A coisa dessa peça é que ela é extremamente democrática", diz, "cada um tem seu monólogo".
Seu objetivo, desde o início, foi encontrar um elenco à altura. "O que eu fiz, de direção, nessa peça?", pergunta. "Escolher um elenco em que a bola não caísse."
Fez mais. No último fim-de-semana, um ensaio aberto da encenação em Santo André (SP) recebeu largos elogios de José Celso Martinez Corrêa, diretor de um Tchecov histórico no Brasil, "As Três Irmãs". Para ele, é possível ver a mão de Daniela Thomas em cada fala da peça, trabalhada ao menor detalhe.
A diretora confirma. "A peteca não cai. Ela sai da mão de um ator que está defendendo muito bem para outro. Isso a gente conseguiu."
"Da Gaivota" é a primeira produção conjunta de Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, mãe e filha, mas a diretora e as atrizes querem desvincular o jogo de mãe e filha do espetáculo. As duas já passaram por situação igual em "The Flash and Crash Days", de 91, e não desejam insistir no tema.
"É o gancho da mídia para a peça", diz Daniela Thomas. "Mas é realmente irrelevante no processo de trabalho. O que tem ali, que a gente brincou, são os 'geriactors' e os 'pediactors'." Os atores mais velhos, como Montenegro e Dantas, e os mais novos, como Torres e Nachtergaele.
O que a montagem fez foi reunir atores de escolas e gerações diversas, do brechtiano Celso Frateschi à realista Fernanda Montenegro. A tradução/adaptação é da própria diretora.
"Eu peguei muita coisa", diz ela. "Fiz um círculo em volta, maluco, com umas cinco traduções inglesas, duas francesas, algumas portuguesas de Portugal, espanholas. E saí brincando, escolhendo o que eu achei o som mais legal."
Cortou vários personagens, como Macha, para concentrar-se no conflito das atrizes (a diva Arkádina e a jovem Nina) e dos escritores (o talentoso Trigorin e o jovem Treplev, filho de Arkádina), daí o título "Da Gaivota" e não o original "A Gaivota".
"A peça é sobre duas vertentes do nascimento do artista", diz. "É da Nina e do Treplev. A Nina faz o ritual de passagem. Ela fala que, para conseguir a fama, suportaria miséria, repúdio. Depois descobre que o importante é perseverar. Transcende o drama pessoal e entra no universo do artista."
Treplev é diferente. "É um cara que não consegue sair de seu universo. Ele fala no final: "Continuo no caos dos delírios e das imagens, sem saber por quê', que eu acho que é a sina do artista moderno."
Quanto a Arkádina e Trigorin, são os pais do artista moderno. "Eles estão ali para nos dar uma noção do que os artistas que nasceram neste século tiveram que enfrentar, contra o que tiveram que lutar."



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