São Paulo, Sábado, 10 de Julho de 1999
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LIVRO - LANÇAMENTOS
Fuentes rompe a fronteira de cristal

CYNARA MENEZES
da Reportagem Local

A "fronteira de cristal" entre Estados Unidos e México de que fala o escritor Carlos Fuentes em seu livro homônimo, agora lançado no Brasil, parece ser a mesma que distancia, ainda que tão próximas, as literaturas de língua espanhola e portuguesa.
Se não existe essa barreira linguística invisível, como então se explicaria o conhecimento restrito ao meio acadêmico, aqui, da obra de um dos maiores escritores mexicanos vivos, senão o maior deles?
Vargas Llosa e García Márquez, talvez Isabel Allende, entre nós; e Jorge Amado e Saramago para eles -o intercâmbio literário nunca foi o forte entre nações lusas e hispanas, e da contemporaneidade pouco mais chega ao público de ambos os lados além dos nomes já citados.
Podia-se dizer, à guisa de escusa, que falta quem publique autores de língua espanhola no Brasil. No caso de Carlos Fuentes, no entanto, seria faltar com a verdade.
Desde "A Morte de Artemio Cruz", considerada sua obra-prima, até "Diana ou A Caçadora Solitária", que lhe rendeu o Prêmio Príncipe de Astúrias, em 94, passando por "Gringo Velho" e os ensaios de "Eu e os Outros", quase toda sua obra está disponível, em português, pela editora Rocco.
Embora com certo atraso, é preciso dizer -enquanto outros países já lançam seu livro mais recente, "Los Años Con Laura Díaz", no Brasil "A Fronteira de Cristal" chega quatro anos depois que foi publicado no México.
É uma coletânea de contos alinhavada pela figura do "patrón" Leonardo Barroso, elemento de ligação entre as culturas mexicana e norte-americana, auto-ungido representante do Terceiro Mundo junto ao Primeiro, "chicano" já extremamente contaminado pelo "american way of life".
Barroso é o protagonista apenas do primeiro conto, "A Moça da Capital", mas vai aparecer ao largo de alguns dos demais como a flor de prosperidade, com direito a fazenda-disneylândia própria, no meio do deserto de miseráveis mexicanos (de muita semelhança com os brasileiros), aos quais ajuda os gringos a explorar melhor.
O livro é todo ele uma crítica ao preconceito anglo-saxão ao irmão "comanche que subiu para o norte" e sua pele morena, seus hábitos ruidosos, sua adoração às imagens -sem deixar, é claro, de dar finas estocadas à má comida do vizinho "imperialista", seus corpos balofos e sua cultura de massa.
Os contos estão recheados de citações que ajudam a situar o leitor no momento em que se passam os relatos, e até mesmo de algumas estatísticas. A referência histórica é uma característica marcante na obra de Carlos Fuentes, que costuma lançar mão de personagens e fatos reais para compor seus romances.
Nada que chateie: o forte em "A Fronteira de Cristal" são mesmo as reduzidas, porém magnéticas, tramas. No conto que dá título ao livro, um rapaz mexicano e uma publicitária ianque trocam olhares através da janela que ele limpa pelo lado de fora -metáfora perfeita ao limite imaginário entre os dois países a que o escritor se refere todo o tempo.
Em "Os Despojos", um cozinheiro mexicano para quem só existem cinco países no mundo com culinária própria -Espanha, México, França, Itália e China- descobre, para sua surpresa, a atração fortíssima que lhe despertam as mulheres obesas que saem dos restaurantes de fast food nos EUA.
Um pequeno trecho: "O desfile contemplado devia muito mais (...) a Fernando Botero e suas adiposas distribuições de cortesãs imensas que nem Rubens chegou a imaginar: curas obesos, crianças inchadas, generais a ponto de rebentar... Quarenta milhões de gordos gringos!"
E para destacar um conto, especialmente: o belíssimo "As Amigas" não deixará de fazer correr lágrimas sobre o rosto dos mais sensíveis a esse estilo "culebrón" (dramalhão) que parece cair tão bem aos romancistas da terra de Zapata.


Avaliação:     


Livro: A Fronteira de Cristal Autor: Carlos Fuentes Tradução: Mauro Gama Lançamento: Rocco Quanto: R$ 25 (244 págs.)

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