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LIVRO - LANÇAMENTOS
Fuentes rompe a fronteira de cristal
CYNARA MENEZES
da Reportagem Local
A "fronteira de cristal" entre Estados
Unidos e México de
que fala o escritor
Carlos Fuentes em
seu livro homônimo, agora lançado no Brasil, parece ser a mesma que distancia,
ainda que tão próximas, as literaturas de língua espanhola e portuguesa.
Se não existe essa barreira linguística invisível, como então se
explicaria o conhecimento restrito ao meio acadêmico, aqui, da
obra de um dos maiores escritores mexicanos vivos, senão o
maior deles?
Vargas Llosa e García Márquez,
talvez Isabel Allende, entre nós; e
Jorge Amado e Saramago para
eles -o intercâmbio literário
nunca foi o forte entre nações lusas e hispanas, e da contemporaneidade pouco mais chega ao público de ambos os lados além dos
nomes já citados.
Podia-se dizer, à guisa de escusa, que falta quem publique autores de língua espanhola no Brasil.
No caso de Carlos Fuentes, no entanto, seria faltar com a verdade.
Desde "A Morte de Artemio
Cruz", considerada sua obra-prima, até "Diana ou A Caçadora Solitária", que lhe rendeu o Prêmio
Príncipe de Astúrias, em 94, passando por "Gringo Velho" e os
ensaios de "Eu e os Outros", quase toda sua obra está disponível,
em português, pela editora Rocco.
Embora com certo atraso, é preciso dizer -enquanto outros países já lançam seu livro mais recente, "Los Años Con Laura Díaz",
no Brasil "A Fronteira de Cristal"
chega quatro anos depois que foi
publicado no México.
É uma coletânea de contos alinhavada pela figura do "patrón"
Leonardo Barroso, elemento de
ligação entre as culturas mexicana e norte-americana, auto-ungido representante do Terceiro
Mundo junto ao Primeiro, "chicano" já extremamente contaminado pelo "american way of life".
Barroso é o protagonista apenas
do primeiro conto, "A Moça da
Capital", mas vai aparecer ao largo de alguns dos demais como a
flor de prosperidade, com direito
a fazenda-disneylândia própria,
no meio do deserto de miseráveis
mexicanos (de muita semelhança
com os brasileiros), aos quais ajuda os gringos a explorar melhor.
O livro é todo ele uma crítica ao
preconceito anglo-saxão ao irmão "comanche que subiu para o
norte" e sua pele morena, seus hábitos ruidosos, sua adoração às
imagens -sem deixar, é claro, de
dar finas estocadas à má comida
do vizinho "imperialista", seus
corpos balofos e sua cultura de
massa.
Os contos estão recheados de citações que ajudam a situar o leitor
no momento em que se passam
os relatos, e até mesmo de algumas estatísticas. A referência histórica é uma característica marcante na obra de Carlos Fuentes,
que costuma lançar mão de personagens e fatos reais para compor seus romances.
Nada que chateie: o forte em "A
Fronteira de Cristal" são mesmo
as reduzidas, porém magnéticas,
tramas. No conto que dá título ao
livro, um rapaz mexicano e uma
publicitária ianque trocam olhares através da janela que ele limpa
pelo lado de fora -metáfora perfeita ao limite imaginário entre os
dois países a que o escritor se refere todo o tempo.
Em "Os Despojos", um cozinheiro mexicano para quem só
existem cinco países no mundo
com culinária própria -Espanha, México, França, Itália e China- descobre, para sua surpresa,
a atração fortíssima que lhe despertam as mulheres obesas que
saem dos restaurantes de fast
food nos EUA.
Um pequeno trecho: "O desfile
contemplado devia muito mais
(...) a Fernando Botero e suas adiposas distribuições de cortesãs
imensas que nem Rubens chegou
a imaginar: curas obesos, crianças
inchadas, generais a ponto de rebentar... Quarenta milhões de
gordos gringos!"
E para destacar um conto, especialmente: o belíssimo "As Amigas" não deixará de fazer correr
lágrimas sobre o rosto dos mais
sensíveis a esse estilo "culebrón"
(dramalhão) que parece cair tão
bem aos romancistas da terra de
Zapata.
Avaliação:
Livro: A Fronteira de Cristal
Autor: Carlos Fuentes
Tradução: Mauro Gama
Lançamento: Rocco
Quanto: R$ 25 (244 págs.)
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