BIA ABRAMO
especial para a Folha

Em uma entrevista publicada recentemente pelo caderno Mais!, o escritor alemão Hans Magnus Enzensberger disse que não acredita no apartheid entre literatura para crianças e para adultos.
O mote era seu ótimo "Por Onde Você Andou, Robert?", um romance que, de fato, não mostra nenhum tipo de condescendência tola em relação ao leitor mais imaturo, pecado de 9,5 entre 10 livros dirigidos a jovens.
Não apenas os livros, na verdade. Quase toda ficção produzida para esse público vem carregada das mais obscuras intenções: seja a de seduzir o leitor renitente à leitura facilitando-a por meio de uma linguagem abobada, seja a de oferecer "lições de vida", untadas de sentimentalismo mecânico e esquemáticas ao ponto da ineficiência, como fazem, por exemplo, a quase totalidade dos seriados de TV norte-americanos, seja a de usar a ficção para despejar conceitos morais, correção política etc.
Enzensberger, ao contrário, quer -e consegue- fazer literatura de fato e resulta que "Por Onde...", além de ser um belo e raro romance juvenil, pode ser fruído também por adultos que não esqueceram como é divertido ler. "Por Onde..." estrutura-se a partir de elementos clássicos das histórias de formação: a aventura e a transformação intelectual e emocional do personagem depois de passar por uma série de provações.
Robert, um garoto de 14 anos, vê coisas de olhos fechados. No início, são pequenas manchas. As manchas evoluem para listras e cobras, que acabam por tornar-se imagens.
Um dia, ele é transportado para dentro de uma dessas imagens e descobre estar em uma pequena cidade da Sibéria, em 1956. A partir dessa primeira viagem, Robert se vê preso numa espécie de armadilha do tempo-espaço e realiza seis viagens na história e na geografia, retrocedendo no passado e pulando de país em país.
Ele vai parar na Alemanha hitlerista, onde conhece sua avó, então uma menina de 9 anos, numa pequena cidade da Noruega no final do século 19, onde é considerado uma espécie de Kaspar Hauser, junta-se a um grupo de bandidos durante a Guerra dos 30 Anos no século 17 e torna-se aprendiz de um pintor na Amsterdã de 1621.
A cada lugar e tempo, o garoto tem que desenvolver estratégias de sobrevivência básica, como comida e abrigo, assim como aprender a comunicar-se em diversas línguas e adaptar-se a costumes e modos de vida muito diversos daqueles de seu próprio período e país. Um pouco à maneira da Alice de Lewis Carroll, o Robert de Enzensberger volta para casa mais esperto e mais dono de si mesmo.
"Por Onde..." funciona como livro de aventura -há um enorme cuidado do autor em equilibrar elementos fantásticos com situações realistas-, mas seu maior mérito é transformar o conhecimento em uma aventura.

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