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DISCOS/LANÇAMENTOS
"PARADEIRO"
Músico baiano é co-produtor do quinto CD do artista paulista
Arnaldo Antunes volta modificado pelo pop e por Carlinhos Brown
DA REPORTAGEM LOCAL
O ex-titã Arnaldo Antunes,
40, inicia "Paradeiro", seu
quinto álbum solo, de forma até
agressiva, à sua maneira. "Atenção" diz o seguinte: "Atenção/ essa vida contém/ cenas explícitas
de tédio/ nos intervalos da emoção". E segue: "Atenção/ quem
não gostar/ que conte outra,/ encontre, corra atrás,/ enfrente, tente, invente/ sua própria versão".
Quase um antimanifesto, a canção parece defender a banalidade
da vida, talvez da arte também. É
defensiva em relação ao ouvinte,
incita-o a se mexer em vez de reclamar do que será oferecido dali
adiante.
Em contrapartida, é também
uma cândida confissão de que arte não é necessariamente glamour, mas pode se valer de matéria-prima corriqueira, do mero e
chato dia-a-dia.
Esse sentido irá orientar muito
do que virá no CD, notadamente
em relação às letras -com exceção provável da grandiosa "Luzes", de Paulo Leminski, concatenada em arranjo emotivo, aproximador.
De resto, Arnaldo parece bastante modificado em "Paradeiro".
As letras, antes sempre muito
concretistas, se moveram para
mais perto daquela banalidade
(mas não dentro dela, ainda), o
que pode significar também uma
aproximação com o pop, sempre
um calcanhar-de-aquiles na carreira solo do artista.
Pesa aí a influência do sucesso
de "Amor I Love You" (2000), em
que Arnaldo declamava Eça de
Queiroz para Marisa Monte (que
retribui e canta na faixa-título de
"Paradeiro"). Mas pesa, mais ainda, a produção do disco, entregue
a Carlinhos Brown (em parceria
com Alê Siqueira, também produtor de Tom Zé).
Além de um pique timbaleiro
em várias das faixas do CD,
Brown parece vir incumbido de
conferir a Arnaldo uma maior desenvoltura no trato com o pop.
Fica a dúvida que havia sido deixada pelo disco da parceira Marisa Monte, "Memórias, Crônicas e
Declarações de Amor": nossos intelectuais andam querendo se
chegar à comunicação mais geral,
talvez por convicção, talvez por
necessidade de expandir mercado, talvez por ambos.
Mas o impasse de Arnaldo antes
era -e hoje ainda é, apesar do
movimento atenuador- de mão
contrária. É de como o público o
recebe e assimila, não de como ele
recebe e assimila o pop.
Ele ainda tem aquela voz áspera,
desengonçada, antimusical, e sua
própria musicalidade ainda é escorregadia ao pop. "Paradeiro" é,
de toda forma, um movimento de
avanço em relação à música com
"m" grande, seja ela de letras simples ou complicadas.
Busca isso ora num balanço
samba-reggae ("Essa Mulher", de
tema inspirado no de "Eu Quero
Essa Mulher Assim Mesmo", de
Monsueto Menezes, relida por
Caetano em 73, em "Araçá
Azul"), ora num blues sofrido
("Se Tudo Pode Acontecer"), ora
numa típica e tonta timbalada
("Na Massa"), ora fazendo de
"Exagerado", de Cazuza, uma
bossa triste.
Consegue os melhores efeitos
quando combina delicadeza de
canto com sofisticação de fundo
musical. Acontece em "Do Vento" (em que as latas de sopa de
Brown e a guitarra chorada de Edgard Scandurra nem chegam a se
chocar) e em "Cidade" (em que os
velhos Titãs parecem ressurgir
por entre versos críticos).
Crítica também é "Santa", uma
provocação indireta ao pensamento produzido em sua São
Paulo. Perdidinha ali no meio, ela
expõe o que faz falta em Arnaldo,
mais que musicalidade, libertação
de cânones ou vontade de cantar
bem: a disposição de fazer uso crítico e autocrítico de seu impulso
criador. "Paradeiro" espera a próxima parada, enquanto finca o
ponto de partida de uma possível
nova rota na história de Arnaldo.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Paradeiro
Artista: Arnaldo Antunes
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 25, em média
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