São Paulo, sexta-feira, 10 de agosto de 2001

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DISCOS/LANÇAMENTOS

"PARADEIRO"

Músico baiano é co-produtor do quinto CD do artista paulista

Arnaldo Antunes volta modificado pelo pop e por Carlinhos Brown

DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-titã Arnaldo Antunes, 40, inicia "Paradeiro", seu quinto álbum solo, de forma até agressiva, à sua maneira. "Atenção" diz o seguinte: "Atenção/ essa vida contém/ cenas explícitas de tédio/ nos intervalos da emoção". E segue: "Atenção/ quem não gostar/ que conte outra,/ encontre, corra atrás,/ enfrente, tente, invente/ sua própria versão".
Quase um antimanifesto, a canção parece defender a banalidade da vida, talvez da arte também. É defensiva em relação ao ouvinte, incita-o a se mexer em vez de reclamar do que será oferecido dali adiante.
Em contrapartida, é também uma cândida confissão de que arte não é necessariamente glamour, mas pode se valer de matéria-prima corriqueira, do mero e chato dia-a-dia.
Esse sentido irá orientar muito do que virá no CD, notadamente em relação às letras -com exceção provável da grandiosa "Luzes", de Paulo Leminski, concatenada em arranjo emotivo, aproximador.
De resto, Arnaldo parece bastante modificado em "Paradeiro". As letras, antes sempre muito concretistas, se moveram para mais perto daquela banalidade (mas não dentro dela, ainda), o que pode significar também uma aproximação com o pop, sempre um calcanhar-de-aquiles na carreira solo do artista.
Pesa aí a influência do sucesso de "Amor I Love You" (2000), em que Arnaldo declamava Eça de Queiroz para Marisa Monte (que retribui e canta na faixa-título de "Paradeiro"). Mas pesa, mais ainda, a produção do disco, entregue a Carlinhos Brown (em parceria com Alê Siqueira, também produtor de Tom Zé).
Além de um pique timbaleiro em várias das faixas do CD, Brown parece vir incumbido de conferir a Arnaldo uma maior desenvoltura no trato com o pop.
Fica a dúvida que havia sido deixada pelo disco da parceira Marisa Monte, "Memórias, Crônicas e Declarações de Amor": nossos intelectuais andam querendo se chegar à comunicação mais geral, talvez por convicção, talvez por necessidade de expandir mercado, talvez por ambos.
Mas o impasse de Arnaldo antes era -e hoje ainda é, apesar do movimento atenuador- de mão contrária. É de como o público o recebe e assimila, não de como ele recebe e assimila o pop.
Ele ainda tem aquela voz áspera, desengonçada, antimusical, e sua própria musicalidade ainda é escorregadia ao pop. "Paradeiro" é, de toda forma, um movimento de avanço em relação à música com "m" grande, seja ela de letras simples ou complicadas.
Busca isso ora num balanço samba-reggae ("Essa Mulher", de tema inspirado no de "Eu Quero Essa Mulher Assim Mesmo", de Monsueto Menezes, relida por Caetano em 73, em "Araçá Azul"), ora num blues sofrido ("Se Tudo Pode Acontecer"), ora numa típica e tonta timbalada ("Na Massa"), ora fazendo de "Exagerado", de Cazuza, uma bossa triste.
Consegue os melhores efeitos quando combina delicadeza de canto com sofisticação de fundo musical. Acontece em "Do Vento" (em que as latas de sopa de Brown e a guitarra chorada de Edgard Scandurra nem chegam a se chocar) e em "Cidade" (em que os velhos Titãs parecem ressurgir por entre versos críticos).
Crítica também é "Santa", uma provocação indireta ao pensamento produzido em sua São Paulo. Perdidinha ali no meio, ela expõe o que faz falta em Arnaldo, mais que musicalidade, libertação de cânones ou vontade de cantar bem: a disposição de fazer uso crítico e autocrítico de seu impulso criador. "Paradeiro" espera a próxima parada, enquanto finca o ponto de partida de uma possível nova rota na história de Arnaldo.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Paradeiro
  
Artista: Arnaldo Antunes
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 25, em média




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