São Paulo, sábado, 10 de agosto de 2002

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CRÍTICA

Personagem parece ter saído de um filme de Woody Allen

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

A judia Lila Moscowitz parece heroína de um filme de Woody Allen. Com um toque almodóvariano. Prestes a fazer 35 anos, não consegue concluir seu último livro de poesias. Vive num minúsculo apartamento do Village, na companhia de dois fantasmas. Faz análise com um terapeuta "drag queen". Escreve versos pornô na forma de sonetos. E foge do amor como o diabo da cruz.
Sua grande paixão foi o cartógrafo Max Schirmer. Max é um alemão naturalizado, com antepassados nazistas. Para Lila, que se agarra ao judaísmo como a uma bóia existencial, a relação só podia estar fadada ao fracasso. Agora namora um anglicano divorciado que fica aflito se a mulher lhe serve vinho branco na taça de vinho tinto. A perspectiva não é muito animadora, mas Lila se esforça. Um pouquinho.
Pode parecer comédia e é, até certo ponto. Mas é igualmente um retrato bastante lúcido de uma mulher em profunda contradição, procurando ser feliz sem muito sucesso.
Lila tenta harmonizar termos dessemelhantes, como sua "pornografia ... em terza rima". O estado de "poesia pura" representa a união desses opostos, uma condição ideal a que aspira e da qual se vê apartada.
Os nomes dos capítulos, extraídos da poética -dissonância, verso livre, heptâmetros etc.-, nem sempre se encaixam nos textos, funcionando mais como um contraponto irônico do que um mote consistentemente glosado. Ainda bem. O forte da autora não está no discurso abstrato, mas no modo como descreve as emoções. Com humor, mas também com uma boa dose de lirismo.
A tradução deixa a desejar. Leis não são "quebradas", mas infringidas; não falamos em "pecados alegados", mas pretensos ou supostos; a expressão "in the long run" significa "afinal de contas" e não "numa longa corrida"; dizemos os sem-teto e não os "sem-casa" e por aí vai.
Seria ótimo se as editoras aumentassem seus pagamentos para obter versões mais esmeradas ou tradutores mais gabaritados. Os leitores "alegados", "numa longa corrida", agradecem.


Poesia Pura    
Autora: Binnie Kirshenbaum
Tradutor: Lourdes Menegale
Editora: Record
Quanto: R$ 33 (242 págs.)



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