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Crítico do "New York Times" vê enfoque anti-semita em filme de Mel Gibson
Entre o CÉU e a TERRA
FRANK RICH
DO ""NEW YORK TIMES"
Meu padrasto dizia: ""Os judeus não mataram Cristo;
apenas o atormentaram até a
morte". O alívio na minha família
judaica foi palpável quando o Vaticano nos absolveu em 1965.
Hoje os judeus americanos não
precisam se preocupar com a acusação -ou não precisavam, até
que Mel Gibson dirigisse o filme
""The Passion" (A Paixão), sobre
as últimas 12 horas de vida de Jesus. Indagado se poderia desagradar, Gibson disse: ""É possível.
Não é a intenção. Acho que o objetivo é contar a verdade. Quem
transgride tem que analisar seu
próprio papel ou culpa".
Os temores vêm sendo alimentados pelo fato de que Gibson financia uma igreja católica tradicionalista que não é filiada à arquidiocese católica apostólica romana. O catolicismo tradicionalista é o nome dado a um movimento separatista que rejeita o
Concílio Vaticano Segundo
-que inocentou os judeus da
acusação de deicídio.
O "Wall Street Journal", que
derramou elogios sobre o projeto,
relatou que as fontes do filme incluem os escritos das freiras Maria de Agreda, espanhola que viveu no século 17, e Anne Catherine Emmerich, alemã do início do
século 19. Foi depois que o rabino
Marvin Hier, do Centro Simon
Wiesenthal, falou sobre o histórico anti-semita das freiras que um
agente de Gibson desmentiu que
elas sejam fontes.
Difícil imaginar o filme sendo
outra coisa senão um fracasso de
bilheteria nos EUA, uma vez que
não conta com astros e seja falado
em aramaico e latim. Seu verdadeiro efeito incendiário talvez seja
sentido fora do país, onde desde o
11 de Setembro vem ocorrendo
uma metástase do anti-semitismo
e onde Gibson é um ícone ainda
maior do que é em casa.
Gibson vem exibindo uma versão a platéias convidadas, mas
nem sempre ecumênicas. A lista
incluiu apenas um judeu: o estudioso Matt Drudge. Um líder judeu cujos pedidos de assistir ao
filme vêm sendo recusados é
Abraham H. Foxman, da Liga de
Combate à Difamação. "Gibson
faz uma seleção daqueles que vão
apoiá-lo. Se o filme é uma afirmação de amor, como anuncia, por
que não exibi-lo para você ou para mim?", disse Foxman.
Quando pedi para assistir ao filme, fui avisado pelo assessor de
Gibson, Alan Nierob, de que o
""New York Times" é uma ""prioridade baixa" para eles porque a
""Times Magazine" publicou um
artigo reproduzindo suposta fala
de Hutton Gibson, pai de Mel
Gibson, que teria dito que o Concílio Vaticano foi ""uma conspiração maçônica apoiada pelos judeus" e que "o Holocausto foi
uma farsa".
Um dia, o filme terá que ser visto por todas as platéias. É torcer
para que o produto não se assemelhe ao roteiro que circulou na
última primavera americana. Esse
roteiro -que, segundo Gibson,
foi roubado, mas que dizem ter sido vazado por um integrante da
empresa do ator- foi desaprovado por um grupo de nove judeus e
católicos.
Eles concluíram que os judeus
eram mostrados como ""sedentos
de sangue, vingativos e avaros",
noticiou o ""Jewish Week". Uma
das integrantes, Paula Fredriksen,
disse que seus colegas ficaram
chocados com a semelhança entre
o roteiro e as peças antigas sobre a
Paixão de Cristo.
O mal já foi feito, e a exibição difamou os judeus. O que ele vem
fazendo é fomentar a falsa idéia de
que a chamada ""elite do entretenimento" está decidida a jogar
abaixo seu filme. De acordo com
buscas em bancos de dados, ninguém criticou ""The Passion"
quando Gibson foi ao programa
de Bill O'Reilly para se defender
contra ""quaisquer pessoas" que
pudessem atacá-lo. Ninguém ainda pediu a censura do filme.
Quer responsabilize judeus ou
não, a estratégia consiste em mostrar como os judeus de hoje estão
crucificando Gibson. Idéia parecida pode ser encontrada em livro
lançado por um defensor do ator.
Em ""Tales from the Left Coast"
(Contos da Costa Leste), James
Hirsen diz: ""A visão de mundo de
certas pessoas se vê ameaçada pela soma da história de Cristo com
o talento de Gibson".
Após uma exibição fechada de
""The Passion", a Associação Nacional de Evangélicos anunciou
que ""os cristãos parecem constituir uma das principais fontes de
apoio a Israel", deixando subentender que esse apoio pode desaparecer se os líderes judaicos
""correrem o risco de provocar o
repúdio de 2 bilhões de cristãos
em razão de um filme". Foxman
diz que acha a declaração ""ofensiva e nociva". ""Se é isso o que significa apoiar Israel, então dizemos não, obrigado a esse apoio."
A verdadeira pergunta é por que
Gibson pode querer se dar ao trabalho de atiçar judeus e semear o
conflito neste momento histórico
frágil.
Tradução Clara Allain
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