São Paulo, terça-feira, 10 de agosto de 2004

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FESTIVAL

Eletronika tem muitos debates, mas poucas soluções

DIEGO ASSIS
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE

"Exija música ao vivo." Tirada de seu contexto oficial, a frase no telão do Eletronika, quinta edição do festival encerrado no domingo em Belo Horizonte, reflete bem os paradoxos da música e de sua indústria nesses tempos.
Quem foi que disse que DJ tocando não é "ao vivo", que computador não é instrumento e que imagem não é som? "O papel da arte é criar ainda mais tensão nessa cultura [do artista romântico, do suporte único etc.] que já está se esfacelando", resumiu Eduardo de Jesus, professor da PUC-MG e participante de um dos muitos debates promovidos nos quatro dias do evento.
E as tais tensões surgiram a cada instante. Ora com o rapper De Leve fazendo apologia do "funk piratão", ora com o diretor do festival alemão Transmediale, Remco Shcuurbies, declarando e exibindo publicamente a nova "versão" que fez para o clipe de Britney Spears -o artista diz que quer "ver o circo pegar fogo", mas até agora não foi procurado.
Por outro lado: se a onda é o digital, por que não voltar ao analógico, adicionando umas cordas aqui, uma percussão ali e uns brinquedinhos acolá? Quando tudo o mais parece eletrônico, a cereja do bolo é o orgânico.
Assim fizeram não só os recém-chegados do Digitaria, Labo e M. Takara, como também veteranos como Dolores e Aparelhagem (agora devidamente afinado) e a dupla Marky e XRS, uma das atrações mais aguardadas do sábado. Diante da reação do público, quase religiosa, ao ver os ídolos do d'n'b é difícil não pensar na legitimidade do tal "ao vivo".
Por fim, mesmo a justaposição do discurso engajado do hip hop com o oba-oba dos mais "moderninhos" não deixa de ser outro foco de tensão. Justiça seja feita, foram os primeiros que salvaram esta edição de um fracasso de bilheterias -mudança de maio para agosto e falta de divulgação, culparam os organizadores.
Mas, ao contrário de maio de 2003, quando Elen Alien e Rubin Steiner, então ilustres desconhecidos, lotaram e levantaram a mesma pista do Marista Hall, desta vez divididas em dois palcos, algumas atrações acabaram prejudicadas. A dupla norte-americana Gold Chain, por exemplo, que também teve uma passagem discreta por São Paulo, foi literalmente ouro para poucos.
O quórum baixo também enfraqueceu alguns dos debates, realizados na sexta, sábado e no domingo na Casa do Conde. Insuficientes em apontar soluções possíveis (e as há?) para o futuro da indústria musical, os encontros deixaram uma importante pergunta no ar: até que ponto os artistas estão dispostos a encarar a revolução digital não apenas como uma ferramenta mas como uma revisão de paradigmas em si? Posso impedir que sampleiem a minha obra para quais fins sejam se eu sempre fiz o mesmo com a música dos outros?
Citando licenças como a Creative Commons, que permite ao autor liberar determinados usos de suas obras, e os projetos de centros de tecnologia em comunidades carentes de todo o país, o advogado Caio Mariano disse que o brasileiro não está sabendo fazer uso do que já tem na mão.
"Grande parte não sabe o poder que tem; poucas propostas apareceram", contou, explicando que o projeto, apoiado pelo Ministério da Cultura, promete a liberação de até R$ 20 mil para a construção de estúdios de produção.
O Eletronika talvez fosse a chance de multiplicar algumas dessas idéias. Não foi.


O jornalista Diego Assis viajou a convite da Telemig Celular


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