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NINA HORTA
Pequenas e grandes receitas
As pessoas costumam se intimidar com grandes instruções por exigirem muito, mas é um ledo engano
No começo, só dava receitas assim, porque o que queria era que a leitora saísse do sofá e fosse para o fogão
HÁ MUITOS modos de classificar receitas de comida. Um
deles é em grandes e pequenas. As pessoas costumam se intimidar com as grandes por, com certeza, exigirem muitos ingredientes, diferentes modos de preparo, de panelas e frigideiras e peneiras. As pequenas já não, pif-paf e estão prontas.
Ledo engano. Vejam Elizabeth
David ensinando a fazer sardinhas
fritas. "Tire as espinhas de algumas
sardinhas frescas, achate-as e mergulhe-as numa massinha de fritura.
Frite-as em gordura quente." Ponto
final. No começo de sua carreira, só
dava receitas assim, porque o que
queria era que a leitora saísse do sofá
e fosse correndo para a beira do fogão. Pois todos nós sabemos que as
sardinhas têm muitas espinhas, que
precisam ser bem lavadas, que a
massinha de fritura varia ao infinito... O modo de fritar faz toda a diferença. Há os mestres da fritura e os
mestres das frituras encharcadas.
Tem gente que já nasce sabendo, e as
regras ajudam pouco. Enfim, ela sabia que um rio que corre nunca é o
mesmo rio.
M.K. Fisher (as duas escritoras foram traduzidas pela Companhia das
Letras) é pior ainda. Uma das receitas dela de que mais me lembro é a
de um sanduíche de ovo achatado
que costumava levar com uma amiga para piqueniques. Só isso, um
sanduíche de ovo achatado e, quando me lembro dele, fico com a boca
cheia d'água.
Para desmentir a hipótese da receita emotiva, aparece Marcella Hazan, com receitas enormes, que dão
sempre certo. Sempre. Ela prevê os
erros, é sensata e experimentou tudo muito bem. Acho que essa receita
é dela, e a única dificuldade é saber
como se escreve ossobuco,
ossibucchi, mas é assim mesmo, em
italiano, está lá no Houaiss.
Não é uma receita totalmente dela, já a tenho com modificações, pois
a dela é com vinho branco e esta com
vinho tinto. Leva seis ossibucchi de
vitela ou boi; 1/3 de xícara de azeite
de oliva; 1/4 de xícara de manteiga; 1
xícara de farinha de trigo, no fundo
de um prato; sal e pimenta-do-reino
moída na hora; 1 e 1/2 xícara de vinho tinto; 2 colheres (sopa) de casca
ralada de limão, bem fininha, sem a
pele branca e 5 colheres (sopa) de
salsinha picada.
Os ossibucchi devem ser cozidos
numa panela grande o bastante para
acomodá-los numa única camada,
cada pedaço achatado no fundo da
panela. Se não tiver uma panela
grande, use duas menores. Ponha o
azeite e a manteiga numa panela
grande em fogo médio. Passe os pedaços em farinha de trigo dos dois
lados. Quando a espuma da manteiga baixar, coloque os ossobucchi na
panela. Podem ficar juntinhos, mas
não devem se sobrepor.
Doure a carne dos dois lados.
Tempere generosamente com sal e
pimenta e vire os pedaços uma vez.
Junte o vinho tinto e tampe bem a
panela. Abaixe o fogo, de modo que
os sucos da panela nunca fervam e
só estourem em bolhas delicadas. A
carne deve cozinhar devagar até ficar bem macia de duas a duas horas
e meia. Depois de dez a 15 minutos,
quando o líquido da panela diminuir, junte 1/3 de água quente. Verifique a panela de vez em quando e
junte mais água quando necessário.
A carne estará pronta quando começar a sair do osso e no ponto de
ser cortada com garfo. Quando
pronta, transfira os pedaços para
uma travessa. Ponha na panela a
casca do limão e a salsa e mude para
o fogo médio. Cozinhe por um minuto, mexendo com uma colher de
pau e raspando o fundo da panela
para aproveitar os resíduos. Deixe
reduzir o líquido, se for excessivo.
Ponha os pedaços de volta na panela
e vire-os no molho. Sirva-os com o
molho por cima. Acompanhe-os
com polenta ou purê de batatas.
Eu acho receita em jornal uma
coisa muito chata, o lugar delas é em
grossas antologias para serem consultadas. Mas tem muita gente que
gosta.
ninahorta@uol.com.br
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