São Paulo, quinta-feira, 10 de agosto de 2006

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NINA HORTA

Pequenas e grandes receitas

As pessoas costumam se intimidar com grandes instruções por exigirem muito, mas é um ledo engano

No começo, só dava receitas assim, porque o que queria era que a leitora saísse do sofá e fosse para o fogão


HÁ MUITOS modos de classificar receitas de comida. Um deles é em grandes e pequenas. As pessoas costumam se intimidar com as grandes por, com certeza, exigirem muitos ingredientes, diferentes modos de preparo, de panelas e frigideiras e peneiras. As pequenas já não, pif-paf e estão prontas.
Ledo engano. Vejam Elizabeth David ensinando a fazer sardinhas fritas. "Tire as espinhas de algumas sardinhas frescas, achate-as e mergulhe-as numa massinha de fritura. Frite-as em gordura quente." Ponto final. No começo de sua carreira, só dava receitas assim, porque o que queria era que a leitora saísse do sofá e fosse correndo para a beira do fogão. Pois todos nós sabemos que as sardinhas têm muitas espinhas, que precisam ser bem lavadas, que a massinha de fritura varia ao infinito... O modo de fritar faz toda a diferença. Há os mestres da fritura e os mestres das frituras encharcadas. Tem gente que já nasce sabendo, e as regras ajudam pouco. Enfim, ela sabia que um rio que corre nunca é o mesmo rio. M.K. Fisher (as duas escritoras foram traduzidas pela Companhia das Letras) é pior ainda. Uma das receitas dela de que mais me lembro é a de um sanduíche de ovo achatado que costumava levar com uma amiga para piqueniques. Só isso, um sanduíche de ovo achatado e, quando me lembro dele, fico com a boca cheia d'água. Para desmentir a hipótese da receita emotiva, aparece Marcella Hazan, com receitas enormes, que dão sempre certo. Sempre. Ela prevê os erros, é sensata e experimentou tudo muito bem. Acho que essa receita é dela, e a única dificuldade é saber como se escreve ossobuco, ossibucchi, mas é assim mesmo, em italiano, está lá no Houaiss. Não é uma receita totalmente dela, já a tenho com modificações, pois a dela é com vinho branco e esta com vinho tinto. Leva seis ossibucchi de vitela ou boi; 1/3 de xícara de azeite de oliva; 1/4 de xícara de manteiga; 1 xícara de farinha de trigo, no fundo de um prato; sal e pimenta-do-reino moída na hora; 1 e 1/2 xícara de vinho tinto; 2 colheres (sopa) de casca ralada de limão, bem fininha, sem a pele branca e 5 colheres (sopa) de salsinha picada. Os ossibucchi devem ser cozidos numa panela grande o bastante para acomodá-los numa única camada, cada pedaço achatado no fundo da panela. Se não tiver uma panela grande, use duas menores. Ponha o azeite e a manteiga numa panela grande em fogo médio. Passe os pedaços em farinha de trigo dos dois lados. Quando a espuma da manteiga baixar, coloque os ossobucchi na panela. Podem ficar juntinhos, mas não devem se sobrepor. Doure a carne dos dois lados. Tempere generosamente com sal e pimenta e vire os pedaços uma vez. Junte o vinho tinto e tampe bem a panela. Abaixe o fogo, de modo que os sucos da panela nunca fervam e só estourem em bolhas delicadas. A carne deve cozinhar devagar até ficar bem macia de duas a duas horas e meia. Depois de dez a 15 minutos, quando o líquido da panela diminuir, junte 1/3 de água quente. Verifique a panela de vez em quando e junte mais água quando necessário. A carne estará pronta quando começar a sair do osso e no ponto de ser cortada com garfo. Quando pronta, transfira os pedaços para uma travessa. Ponha na panela a casca do limão e a salsa e mude para o fogo médio. Cozinhe por um minuto, mexendo com uma colher de pau e raspando o fundo da panela para aproveitar os resíduos. Deixe reduzir o líquido, se for excessivo. Ponha os pedaços de volta na panela e vire-os no molho. Sirva-os com o molho por cima. Acompanhe-os com polenta ou purê de batatas. Eu acho receita em jornal uma coisa muito chata, o lugar delas é em grossas antologias para serem consultadas. Mas tem muita gente que gosta.

ninahorta@uol.com.br


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