São Paulo, Terça-feira, 10 de Agosto de 1999
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ÓPERA - CRÍTICA
Versão de "Don Giovanni" é a melhor da década

IRINEU FRANCO PERPETUO
especial para a Folha

Até que enfim deram uma dentro. Apesar das limitações, o "Don Giovanni" que estreou na última sexta no Teatro Alfa é a melhor versão da ópera de Mozart que subiu aos palcos paulistanos nos anos 90 e a primeira montagem lírica assistível de São Paulo nos últimos 12 meses.
Alugada da Ópera Zuid, de Maastricht, a cenografia fixa e despojada garantiu o ritmo ágil da produção -já que o fator que mais costuma emperrar montagens de "Don Giovanni" são justamente as constantes trocas de cenário.
Com tal material nas mãos, o diretor britânico Aidan Lang mostrou uma concepção inteiramente calcada no jogo entre as cores vermelha (representando Don Giovanni) e azul (para seu rival, Don Ottavio).
Privilegiando o efeito em detrimento do todo, Lang obteve alguns resultados interessantes -como a hilária utilização da porta como adereço cênico no sexteto "Sola, Sola in Bujo Loco", do segundo ato.
A agilidade da cena foi plenamente correspondida pela música -com as madeiras em noite particularmente inspirada, a Orquestra Experimental de Repertório conseguiu, sob a batuta segura de Jamil Maluf, não apenas acompanhar os cantores sem atropelo, mas produzir um pouco de boa música por conta própria.
No elenco, destaque absoluto para o Leporello de Sandro Christopher, um dos maiores talentos cômicos da cena lírica nacional. Presença constante no palco ao logo das três horas de ópera, o barítono mostrou-se vocalmente seguro, cenicamente impecável e com fôlego para cantar de pé, ajoelhado e até deitado.
Também vale destacar a Donna Anna de Laura de Souza -pequenos escorregões na complicada linha vocal não invalidam sua dramática caracterização do personagem, com um impressionante registro grave que até parecia herdado do cantor que interpretava seu pai, o baixo José Gallisa.
Retornando a papéis mais adequados a seu registro depois de desventuras puccinianas, o casal Fernando Portari (Don Ottavio) e Rosana Lamosa (Zerlina) teve performance satisfatória.
O mesmo não pode ser dito de Zbigniew Macias. Encarregado de interpretar o personagem-título, o barítono polonês mostrou volume e resistência. Contudo escorrega no italiano e, o que é mais grave, carece do carisma necessário para quem está cantando um dos maiores sedutores da história da música.
Escaladas para papéis pouco adequados para seus respectivos registros vocais, as jovens revelações Sandro Bodillon (Masetto) e Luciana Bueno (Elvira) tiveram atuações opostas.
O barítono Bodillon soube compensar a falta de graves com desempenho cênico convincente. Já a bela mezzo-soprano Bueno parecia desperdiçada em uma parte que exige muito de seu registro agudo -justamente aquele em que sua voz mostra preocupante tendência a recuar.
No fim, os resultados artísticos alcançados só fazem aumentar a torcida para que saia do papel a cogitada segunda temporada de "Don Giovanni", no mês que vem, no Municipal. Resta esperar que nas eventuais récitas nesse teatro sejam cobrados preços de ingressos que possam viabilizar o acesso de mais gente à genial música de Mozart.


Avaliação:    


Ópera: Don Giovanni
Onde: Teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro, São Paulo; tel. 0/xx/11/5963-4000)
Quando: hoje e dia 13, às 20h30; dia 15, às 17h
Quanto: de R$ 80 a R$ 120
Patrocinadores: Banco Sudameris e Alfa Romeo


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