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"O TERMINAL"/CRÍTICA
Fábula faz do aeroporto um país cheio de injustiças e altruísmo
PAULO SANTOS LIMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Se a fábula é este gatilho narrativo que apresenta um mundo
bem delineado no qual os personagens passam por poucas e boas
para, ao final, as coisas repousarem entre justiça e conforto, é Steven Spielberg seu maior cineasta,
com filmes cuja fantasia nivela
dramas pessoais a naves alienígenas pousando em solo terráqueo.
Nesse cinema de êxtase no espetáculo, não são poucas as vezes
que mostra personagens tentando ajuste no mundo, do extraterrestre de "E.T." ao robô de "Inteligência Artificial". Essa tendência
à assimilação ganha nova configuração em "O Terminal". Não só
pelos personagens se alinharem
ao mundo, mas pelo mundo precisar se ajustar como lugar.
Viktor Navorski (Tom Hanks)
chega a Nova York e tem seu passaporte retido porque, enquanto
seguia do Leste da Europa a América, seu país entrou em guerra civil e virou um território sem nome. Viktor terá de esperar na área
de convivência do terminal aeroviário até sua terra natal retomar a
estabilidade política. Estamos
num aeroporto, que nada mais é
que um não-lugar, um sítio sem
memória no qual as pessoas apenas estão de passagem.
Spielberg, em princípio, resolve
aquilo que seria problema para
uma fábula, que é o lugar onde as
coisas acontecem. O terminal gelado e impessoal não é mais um
local passageiro, mas sim a tradução de Nova York, da América
até, com suas leis, injustiças, encontros e desencontros. Viktor,
então, tem problemas com o duríssimo agente alfandegário
Frank (Stanley Tucci), mas conhece pessoas boas, como o boa-praça que desvia comida para ele
e Amelia (Catherine Zeta-Jones),
que será o ponto romântico da
história. Até emprego bem-remunerado ele arranja, na reforma do
aeroporto, que aqui já aparece como a terra da oportunidade.
É uma fábula que poderia estar
situada em qualquer cidadezinha
norte-americana dos filmes de
Frank Capra, o que deixa claro o
talento do cineasta em traduzir
em imagem o roteiro "bizarro", e
na modulação de comédia, drama
e romance que são despachados
indiscriminadamente em "O Terminal". Porque não é fácil, convenhamos, colocar um personagem
sob várias situações como dormir, tomar banho, comer e até
transar num aeroporto.
Spielberg consegue fazer do aeroporto um lugar dramático, graças à espera sem fim de Viktor, e
sua direção apresenta idéias interessantíssimas no início, como a
do registro kafkiano do não-cidadão num absurdo não-lugar. A
bala explode no tambor do revólver de Spielberg quando o altruísmo coletivo, ingênuo, toma as rédeas daquela que seria uma brutal
(e absurda) história. E é bem curioso que, no final das contas, um
aeroporto avance do não-lugar
para ser um ambiente utópico.
O Terminal
The Terminal
Direção: Steven Spielberg
Produção: EUA, 2004
Com: Tom Hanks, Catherine Zeta-Jones
Quando: a partir de hoje nos cines HSBC
Belas Artes, Kinoplex Itaim 6 e circuito
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