São Paulo, quinta-feira, 10 de setembro de 2009

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A classe operária vai ao cinema

Depois de anos de abandono, mercado de cinema volta a mirar a classe C com salas em supermercado e nova estratégia

Pedro Carrilho/Folha Imagem
Bairro de Sulacap, na periferia do Rio, que receberá complexo;
a sala mais próxima, atualmente, fica a 10km, em Bangu


ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os fabricantes de sabonete fazem. As companhias aéreas fazem. Mas os cinemas perderam o compasso. "Para o cinema, o boom de consumo da classe C não chegou. Não estávamos preparados para receber esse novo consumidor, não fizemos nada por ele," constata Adhemar Oliveira, sócio da rede Unibanco Arteplex.
A classe C, que inclui famílias com renda entre R$ 726 e R$ 1.195, cresceu 21% entre 2003 e 2008 (Datafolha). Se, em 2004, 17% dessa população tinha acesso à internet, em 2008 o índice, segundo o Ibope, saltou para 34%. E, ao bater de porta em porta, o IBGE constatou que, pós-geladeiras, outros objetos de desejo surgiram. Números levantados pelo instituto indicam ser de até R$ 14 bilhões o potencial de consumo da classe C para lazer e cultura.
Mas, enquanto a banda Calypso fisgava esses novos consumidores, o cinema os deixava do lado de fora. "Com o fim das salas de rua e a chegada dos multiplex [em 1997], o cinema se tornou um programa para as classes A e B", diz Oliveira. Nascia assim o enorme contingente dos sem-tela que, se não tem líder, tem a pirataria e a TV como aliados. "Quando temos um filme como "Se Eu Fosse Você 2", vemos que o circuito está falido." Oliveira aposta que, se houvesse salas populares, o filme teria vendido o dobro de ingressos.
Pois foi de olho nesse público que o empresário decidiu construir dois complexos no Carrefour Sulacap, na periferia do Rio, e no Carrefour Limão, em São Paulo. A primeira diferença é que, em vez de estarem abrigadas em shoppings, as salas ficarão num supermercado. O frequentador não pagará estacionamento e, mágica, os ingressos e a pipoca custarão cerca de 30% menos. "Da construção à bombonière, todo conceito é diferente. Claro que o frequentador tem de se sentir bem, mas é possível reduzir alguns custos", diz o empresário. A principal diferença está no contrato de locação, assinado em parâmetros distintos daqueles dos shoppings.
O governo, do seu lado, também tenta empurrar esse movimento. "Estamos trabalhando com a Ancine [Agência Nacional de Cinema] para que haja um apoio específico para salas populares", confirma Luciane Gorgulho, do BNDES. Ao falar sobre o assunto, num seminário, o presidente da Ancine, Manoel Rangel, cutucou: "Resta saber que agentes privados terão a ousadia de investir".
Resta saber também se o público perdido voltará às salas. Flavio Panzenhagen, dono do cinquentenário Cine Cisne, em Santo Ângelo (RS), acha que não. "Atingir a classe C não é tão simples", diz ele, que cobra de R$ 5 a R$ 7 pelos ingressos. "As pessoas preferem ver TV ou comprar o pirata na esquina e levar para casa."

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