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CINEMA ESTRÉIAS
Iugoslávia é terra em transe em "Bela Aldeia"
JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha
De acordo com um personagem
de "Bela Aldeia, Bela Chama", a
Sérvia foi a primeira nação do
mundo, e os sérvios, os primeiros
a usarem talheres para comer, enquanto franceses e ingleses ainda
comiam com as mãos.
A declaração é dita em tom patético num túnel inacabado, em que
um grupo de sérvios sofre um paciente e sádico cerco movido por
uma milícia muçulmana, no auge
da guerra da Bósnia, em 1994.
A interrogação lançada por "Bela Aldeia, Bela Chama", longa-metragem que estréia hoje, é exatamente essa: como um povo que já
foi tão civilizado veio parar na barbárie atual?
Túnel
Do ponto de vista dramático, o
filme se estrutura em torno de dois
personagens, o sérvio Milan (interpretado pelo ator Dragan Bjelogrlic) e o muçulmano Halil (Nikola Pejakovic, que, além de atuar,
é também co-roteirista da produção), amigos de infância que acabam se defrontando quando chega
a guerra.
Do ponto de vista da ação (e também dos símbolos, claro), o centro
de toda a trama é o tal túnel, chamado Túnel da União e da Fraternidade, que começou a ser construído na década de 70 e deveria
ligar Zagreb a Belgrado, servindo
como emblema da Iugoslávia unida.
Mas o túnel, como a forçada unificação, parou no meio do caminho e se transformou numa caverna misteriosa, em que os pequenos
Milan e Halil temiam encontrar
monstros e fantasmas.
Anos depois, eles se reencontram no túnel, agora como inimigos.
Contado dessa maneira, o entrecho soa esquemático e sentimental, lembrando um pouco o argumento do filme "A Noite de São
Lourenço", realizado pelos irmãos
Taviani.
Mas no lugar do humanismo
cristão dos Taviani, "Bela Aldeia,
Bela Chama" vibra de ferocidade e
humor negro.
Refinado e vulgar
Com uma narração descontínua,
cheia de flash-backs que não pedem licença para invadir a tela,
uma trilha sonora elaboradíssima
e uma montagem magistral, "Bela
Aldeia, Bela Chama" parece às vezes um videoclipe cruel.
A sensação de energia, de força
física em ação, anula até os clichês
que aparecem aqui e ali no longa-metragem.
O comunismo, os sonhos de juventude, as drogas, o consumo, a
mídia -o diretor Srdjan Dragojevic põe tudo numa máquina de triturar e devolve outra coisa, difícil
de definir e de digerir.
É um filme selvagem, inteligente,
engraçado, terrível, refinado, vulgar.
Venceu a última Mostra de Cinema de São Paulo. Vá e veja.
Filme: Bela Aldeia, Bela Chama
Produção: Sérvia, 1996
Direção: Srdjan Dragojevic
Com: Dragan Bjelogrlic, Nikola Kojo, Nikola
Pejakovic
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco de Cinema - sala 3
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