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CINEMA ESTRÉIAS
Anjelica Huston expressa apatia na direção
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
A primeira pergunta que o espectador se faz, assim que começa a
projeção de "Marcas do Silêncio", é por que Anjelica Huston
lançou-se à direção de filmes.
Ela é uma boa atriz, uma atriz famosa. Na direção, correrá, para
começar, o risco de ser comparada
ao pai, cineasta célebre (John Huston).
E basta meia hora de projeção
para a gente ver que Anjelica dirige
mais ou menos como o pai, nos
piores momentos: limitando-se a
ilustrar uma história.
E a história, baseada num romance de Dorothy Allison, é muito boa. Diz respeito à infância de
Ruth Anne (Jane Malone), mais
conhecida como Bone, filha ilegítima de Anney (Jennifer Jason
Leigh), que cresce na Carolina do
Sul, nos anos 50.
Anney se casa. O marido morre.
Ela se casa novamente, com Glen
(Ron Eldard), filho infeliz e frustrado de uma família abastada. Bone será o bode expiatório de Glen.
Anjelica às vezes entrega o jogo
no menor dos detalhes. Exemplo:
logo que aparece em cena, sabemos que Glen fuma e não bebe.
Ora, o sujeito que fuma, no cinema
americano atual, é naturalmente
credenciado ao papel de vilão (exceto se o filme for independente; aí
a coisa tende a se inverter).
Como o violento lobby antifumo, nos EUA, é acompanhado de
uma discreta postulação de inocência das bebidas alcoólicas, um
dos irmãos de Anney logo dá a deixa: "Não confio em gente que não
bebe", diz, mais ou menos. Bone,
a menina, olha para ele e também
não confia.
Com isso, pelo menos mais meia
hora de filme está fadada à previsibilidade completa, ao enfadonho:
Huston vai apenas desenvolver
aquilo que já foi enunciado previamente.
No terceiro terço, no entanto, é
como se Anjelica finalmente se
desse conta de que seu filme está
sofrendo de abulia profunda e resolvesse lhe injetar ânimo.
O conflito entre Ron e Bone finalmente estoura. O homem manifesta sua perversidade em toda a
extensão, torna-se a mais palpável
expressão do mal e do terror para a
menina.
Ron passa a evocar um pouco o
clássico personagem de Robert
Mitchum em "O Mensageiro do
Diabo" (1955) -embora suas razões sejam de ordem psicológica, e
não metafísica-, e o filme cresce.
Mas, mesmo aí, o espectador pode se perguntar se essa subida do
filme se deve à direção de Anjelica
ou se existe um movimento incontornável da história que a determina.
É mais provável que a segunda
hipótese seja verdadeira. Em todo
caso, nesse momento entramos
com vigor na seara do melodrama
familiar, em que os problemas de
uma mulher são espelhados (e
multiplicados) na filha, e "Marcas
do Silêncio" cresce sensivelmente.
Filme: Marcas do Silêncio
Produção: EUA, 1996
Direção: Anjelica Huston
Com: Laura Dern, Jennifer Jason Leigh,
Jena Malone, Christina Ricci, Dermot
Mulroney, Ron Eldard
Quando: a partir de hoje, nos cines Olido 3,
Bristol e Estação Lumière 1
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