São Paulo, sexta-feira, 10 de novembro de 2006

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crítica

Morte ganha concretude, mas falta renascimento

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Pedro Almodóvar já renasceu algumas vezes como cineasta. A primeira foi em 1988, com "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos", que marcou sua afirmação definitiva fora da Espanha. A segunda foi em 1995, com "A Flor do Meu Segredo", quando ele abandonou uma certa ênfase no humor debochado para se aprofundar no melodrama.
Esse aprofundamento chegou ao ápice em "Tudo sobre Minha Mãe" (1999) e "Fale com Ela" (2002), duas obras-primas, mas começou a dar sinais de desgaste em "Má Educação" (2004).
"Volver", em vários sentidos, é mais bem resolvido que "Má Educação", mas continua apontando para um certo fastio no exercício melodramático e para a necessidade de um novo renascimento artístico.
Que não haja dúvidas: estamos falando de um dos melhores cineastas em atividade no mundo, e "Volver" ainda está cheio de suas melhores qualidades. Elas aparecem, principalmente, na recusa por um julgamento moralista dos atos de seus personagens; no olhar generoso, porém não indulgente, sobre as fraquezas do ser humano; na composição dos planos e na escolha da palheta de cores ("Volver" tem uma fotografia especialmente inspirada, de José Luiz Alcaine), e na excelência da encenação e da direção de atores.
"Volver" -voltar- marca a volta do cineasta à região de La Mancha, onde ele nasceu. É ali que ele situa boa parte da saga de sua heroína Raimunda (Penélope Cruz, em composição visivelmente inspirada em Sophia Loren).
O filme marca também um reencontro com Carmen Maura, atriz-fetiche de sua primeira fase, com quem ele não trabalhava desde "Mulheres à Beira...". Nesse reencontro, a morte, em outros filmes um tema periférico, assume um papel central.
Em "Volver", a morte ganha uma concretude poucas vezes vista no cinema. Almodóvar procura traduzir, cinematograficamente, o sentimento que nos enche depois da perda de uma pessoa querida, aquela espécie de presença que se faz ver pela ausência, pelos signos deixados pelos mortos, pelos rastros que ficam sobre a terra com a ausência do corpo.
Em vários momentos, Almodóvar traduz essa sensação com clareza absoluta, demonstrando o pleno domínio que tem sobre a linguagem. Em outros, parece não saber muito bem para onde ir, principalmente quando a história caminha para seu final, anticlimático. À medida em que o filme perde o rumo, perde também a emoção -algo que não faltava, absolutamente, a "Tudo sobre Minha Mãe" e a "Fale com Ela". E que nos deixa aquela ponta de decepção quando a projeção chega ao fim.


VOLVER    
Direção: Pedro Almodóvar
Produção: Espanha, 2006
Com: Carmen Maura, Penélope Cruz e Lola Dueñas
Quando: hoje, nos cines Bristol, Morumbi, Kinoplex Itaim e circuito


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