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crítica
Vertiginosa, trama revela mundo incerto
CRÍTICO DA FOLHA
É fácil se entregar à
tentação de atribuir a
energia de "Os Infiltrados" ao fato de que Martin
Scorsese está de volta a um
meio ambiente no qual seu
cinema se expressa bem, o
dos pequenos e grandes mafiosos, habitat dos personagens de "Caminhos Perigosos" (1973), "Os Bons Companheiros" (1990) e "Cassino" (1995).
Faz sentido: o mundo do
crime e da contravenção é
também, por natureza, violento, e os filmes de Scorsese,
mesmo alguns dos que não
tratam diretamente de mafiosos, como "Taxi Driver"
(1976), "Touro Indomável"
(1980) e "Cabo do Medo"
(1991), carregam os personagens com uma força vital que
precisa ser liberada, mais cedo ou mais tarde.
Robert De Niro foi quem
melhor incorporou esse estado de permanente conflito
com o mundo, também vivido por personagens de Harvey Keitel e Joe Pesci. Em
"Os Infiltrados", cabe a Jack
Nicholson enriquecer essa
tradição ao incorporar a ela
seu próprio repertório de expressões ao mesmo tempo
ameaçadoras e perturbadas,
com uma ironia ambígua nos
lábios.
Não é somente a iminência
da violência (muitas vezes,
afinal desencadeada) que
impregna a história, mas
uma forte atmosfera de medo e incerteza que, ao submeter os personagens -sobretudo os de Matt Damon e
Leonardo DiCaprio- a situações-limite, leva também
o espectador a se sentir em
terreno movediço.
Tensão
A corrida contra o tempo
disputada por esses dois torturados se alimenta de problemas de identidade traduzidos na forma de duplos,
personagens que se espelham, tão caros ao cinema de
Alfred Hitchcock. Aqui, a simetria dramática leva ambos
a passar não só por experiências equivalentes mas também pela mesma cama.
A seqüência que revela essa proximidade entre eles
ilustra bem, entre diversos
outros momentos criativos
do filme, como o uso habilidoso das convenções de foco
narrativo (ao lado de quem,
onde e quando estamos)
contribui para acentuar o
quociente de nebulosidade
da trama.
O aspecto vertiginoso de
"Os Infiltrados" (no original,
"The Departed", "os mortos") vive disso tudo e do papel fundamental exercido na
costura da tensão pelos telefones celulares com identificadores de chamada (e operadoras com sinal de alcance
notável), usados com desenvoltura o tempo todo.
Capazes de desmascarar
personagens e de estabelecer
assim sentenças de morte,
esses barulhentos aparelhos
de bolso se transformam em
ícones tecnológicos de um
mundo incerto e perigoso no
qual é quase impossível se
esconder.
(SR)
OS INFILTRADOS
Direção: Martin Scorsese
Produção: EUA, 2006
Com: Leonardo DiCaprio, Matt Damon e Jack Nicholson
Quando: a partir de hoje nos cines Frei Caneca Unibanco Arteplex 2,
Iguatemi Cinemark 1 e circuito
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