São Paulo, segunda, 10 de novembro de 1997.




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FOTOGRAFIA
Jaguaribe expõe seres híbridos

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

São retratos de ninguém que sempre parecem evocar alguém. As fusões de cromos que a fotógrafa Claudia Jaguaribe expõe a partir de hoje na galeria Camargo Vilaça estabelecem um jogo intrigante com o observador, sempre tentado a descobrir nos traços sobrepostos uma silhueta familiar. Às vezes elas surgem, de fato, extraídas do rosto de pessoas públicas: os cabelos arrepiados do compositor Arnaldo Antunes ou os olhos da atriz Xuxa Lopes.
Mas isso é só um truque. A sensação de estranheza e familiaridade dos retratos em que se entrevê "alguém" acaba sendo transferida para aqueles outros compostos a partir de faces desconhecidas, anônimas. Os olhos continuam procurando referências naqueles seres híbridos -e novamente elas surgem, não mais dos fragmentos do rosto público, mas do arquivo disperso da memória: imagens remotas de álbuns de família, de páginas de revistas, da multidão das ruas.
Claudia Jaguaribe/Divulgação
Retratos da fotógrafa Claudia Jaguaribe, que abre exposição hoje na galeria Camargo Villaça com trabalhos que utilizam a técnica cibacrome prints


São imagens que emergem também da memória cultivada: é à própria arte que o trabalho insistentemente nos remete. Um pouco dos retratos da pintura do século 17, as tonalidades de Velásquez, alguma coisa de Goya, mas também do cubismo e de Andy Warhol.
É a fotografia, mais uma vez, problematizando sua ambiguidade estética, debatendo-se com suas origens e tentando transcender sua vocação técnica de registro "objetivo" da realidade.
É exatamente dessa função primária da objetiva, o retrato, que Claudia Jaguaribe parte para seu jogo irônico com a arte. A fotografia perde a objetividade ao fazer retratos que não são de ninguém, nos leva para o terreno da pintura, mas permanece ali, intencionalmente exposta, como base técnica.
As obras podem dar ao observador menos atento a impressão de fotografias "mexidas" em computador -uma facilidade corrente mais ou menos em voga. Não são.
Claudia fotografou seus personagens em situações semelhantes, de modo a permitir as montagens, que foram feitas a partir de cromos -a técnica chama-se cibacrome prints. As fusões, em alguns casos, resultam num rosto quase que perfeitamente focado. Em outros, no entanto, surgem efeitos cromáticos, "pinceladas", "auras", distorções.
Quase sempre sobre fundo preto, os retratos (são 36, em formato 50 x 60) giram em torno do vermelho. Há entre eles um rosto composto com as feições da própria fotógrafa. Um auto-retrato no anonimato que, novamente com ironia, é o único em que a face aparece sem olhos.

Exposição: Claudia Jaguaribe Onde: galeria Camargo Vilaça (r. Fradique Coutinho, 1.500, tel. 011/210-7390) Quando: abertura hoje, às 20h; seg a sex, 10h às 19h, sáb, 10h às 14h; até 5 de dezembro


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