São Paulo, sexta-feira, 10 de dezembro de 2004

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CINEMA/ESTRÉIA

Pixar revê dilemas que extrapolam as páginas das HQs

"Os Incríveis" faz piada das fraquezas dos heróis

Divulgação
Os super-heróis Sr. Incrível e Mulher-Elástica em "Os Incríveis"


DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

É só mais um dia na vida do Sr. Incrível: salvar um gatinho da árvore pela manhã, ajudar a polícia a prender uns assaltantes de banco em seguida, impedir uma tentativa de suicídio e o descarrilhamento de um trem à noite e, acima de tudo, chegar a tempo para o casamento. O seu próprio.
Sim, estamos no bom e velho -para quem já folheou as HQs ou pelo menos assistiu aos desenhos e seriados- universo dos super-heróis, seres superpoderosos capazes de levantar carros com uma só mão, correr à velocidade da luz, ficar invisíveis, cada um a seu modo, mas com uma coisa em comum: jamais vão conseguir levar uma vida "normal".
Essa é a premissa de nove entre dez HQs de super-heróis, do menino adolescente que descobre que "grandes poderes trazem grandes responsabilidades" em "Homem-Aranha", passando pela escola de mutantes do professor Xavier em "X-Men", até a mais adulta "Watchmen", um dos maiores cânones do gênero, em que Alan Moore retrata a decadência dos mascarados.
Baseada nessa mesma idéia, a de que num dia o governo baixa um decreto que proíbe a ação dos super-heróis, a animação "Os Incríveis" chega hoje ao Brasil depois de acumular vultuosos US$ 225 milhões em apenas cinco semanas nos Estados Unidos.
A superprodução da Pixar, penúltima do estúdio de John Lasseter em parceria com a Disney, conta a história de uma família de heróis lutando para se equilibrar depois da aposentadoria forçada imposta pelo governo dos EUA.
O novo cotidiano de Beto Pêra (Craig T. Nelson), o outrora hiperativo e esbelto Sr. Incrível, se resume agora a vender apólices para os clientes da Seguros S.A. e cuidar para que os vizinhos não percebam sua identidade secreta.
A dona-de-casa Helena (Holly Hunter), conhecida no passado como a Mulher-Elástica, tenta justificar aos filhos, Flecha (Spencer Fox) e Violeta (Sarah Vowell), por que não devem sair por aí usando seus poderes.
Num mundo onde todos são especiais, a única verdade é que ninguém é especial, raciocina o garoto que, para não dar bandeira de sua supervelocidade, é sempre obrigado a chegar em segundo lugar nas corridas da escola.
Por trás da aparente ingenuidade, a animação de Brad Bird, espécie de "os Simpsons encontram o Quarteto Fantástico", propõe uma reflexão sobre a natureza do discurso liberal em que, mais que os mesmos direitos, todos devem ter a mesma postura em relação ao mundo. Diferenças? Que diferenças? Somos todos filhos de Deus, acreditamos na democracia e quem estiver contra que vá viver numa ilha distante bem longe dos nossos olhos...
E é isso que faz o Gurincrível, quando criança fã número 1 do Sr. Incrível, hoje o impiedoso vilão Síndrome (Jason Lee), que, apesar de não ter nenhum poder, foi capaz de criá-los em laboratório e agora arquiteta sua revanche contra os super-heróis que no passado o desprezaram. "Quando todos forem super-heróis, então ninguém será super-herói."
Enfim, essa mesma temática que perpassa toda a aventura de "Os Incríveis" talvez também possa ser estendida ao momento pelo qual passa a indústria da animação atual. Os "poderes" para criar uma animação digital de qualidade estão todos aí, cada vez mais acessíveis e baratos.
Pioneira no estilo de computação gráfica com "Toy Story (95), hoje a Pixar não é mais tão super assim. Com o sucesso de filmes como "Shrek" e "A Era do Gelo", estúdios como DreamWorks e Blue SkyStudio mostraram que também têm bala na agulha. E quem será(ão) o(s) mocinho(s) dessa nova história?
Sem dúvida, os que souberem usar bem a ferramenta a serviço de um bom roteiro. Poder modelar os personagens por computador, suas feições e, mais importante, seus exageros é hoje o grande trunfo do gênero diante das produções "tradicionais" da indústria do entretenimento.
Fala-se com crianças por meio do traço, mais imediato, e com os adultos, por meio das diversas referências ao universo do cinema e da cultura pop -é hilário o argumento da costureira de fantasias Edna Moda para tirar a capa do uniforme do Sr. Incrível: "Você se lembra de Thunderhead? Um cara legal, bom com as crianças. 15 de novembro de 1958. Tudo bem, mais um dia salvo... até que sua capa se enroscou num míssil!".
Ainda no quesito pop, Samuel Jackson como o herói Gelado também rende diálogos impagáveis: "Super-heroínas vivem tentando lhe contar suas identidades secretas. Elas acham que vai ajudar a fortalecer a relação".
A ação é... incrível e os cenários, belíssimos, mas é justamente no que tem de mais humano, de menos superpoderoso, que o filme da Pixar nos pega de surpresa.


Os Incríveis
The Incredibles
    
Direção: Brad Bird
Produção: EUA, 2004
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Interlagos e circuito



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