São Paulo, sexta-feira, 10 de dezembro de 2004

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"CLEÓPATRA"

"Road movie" argentino é manual de auto-ajuda

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O cinema argentino é ótimo, mas também produz seus filmes medianos e descartáveis.
É o caso deste "Cleópatra", que se apresenta como uma "comédia romântica sobre a liberdade de duas mulheres", mas que acaba se revelando uma espécie de manual de auto-ajuda para mulheres casadas em crise.
As duas em questão são Cleópatra (Norma Aleandro), professora aposentada, submissa ao marido desempregado e embrutecido (Hector Alterio), e Sandra (Natalia Oreiro), jovem estrela de telenovelas, moldada pelo namorado produtor como uma boneca para agradar a seus fãs e às revistas de celebridades.
Por um conjunto de acasos que não convém resumir aqui, essa "Amélia" e essa "Barbie" acabam se encontrando e, fartas de suas vidas, partem de carro para o interior da Argentina, feito versões platenses de Thelma e Louise, em busca da plenitude de sua condição feminina, seja lá o que isso queira dizer.
Cleópatra descobre que ainda lhe restam sensualidade, alegria de viver, poder de sedução; Sandra percebe que, por trás dos holofotes de sua vida oca, existe uma garota simples do interior, carente de afeto e proteção. Nada que já não se tenha visto em inúmeros filmes hollywoodianos e telenovelas brasileiras.
Claro que nem tudo é tão tolo e raso nesse "road movie" de Eduardo Mignogna. Atores excelentes (a começar pela própria Norma Aleandro e Hector Alterio, infelizmente pouco aproveitado), segurança narrativa e, pelas bordas da trama, observações agudas sobre a crise social argentina salvam o programa.

Clichês
Para nós, brasileiros, há ainda a constatação do quanto somos parecidos com nossos vizinhos argentinos em tantas coisas: nos problemas econômicos, no provincianismo, no sentimentalismo, no triunfo da cultura publicitária e televisiva.
Em "Cleópatra", porém, a crítica disso tudo é feita por meio de ingênuos clichês de redenção, de "superação", de "volta por cima", de "lição de vida".
Pode ser que faça sucesso entre nós, pois nossa sensibilidade média foi formada por décadas de "Fantástico" e novelas das oito. Mas é muito pouco para um cinema que tem nos dado artistas do quilate de Lucrecia Martel e Pablo Trapero.


Cleópatra
Cleopatra

  
Direção: Eduardo Mignogna
Produção: Argentina, 2003
Com: Norma Aleandro, Natalia Oreiro, Leonardo Sbaraglia, Hector Alterio
Quando: a partir de hoje no Cinearte, Cineclube DirecTV 2 e Lumière



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