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Decifrando o rap alternativo
Representante do hip hop underground, grupo californiano Hieroglyphics toca em São Paulo
LULIE MACEDO
DA REVISTA DA FOLHA
O hip hop é pop. Está na moda,
vende milhões, as celebridades
gostam, a periferia também.
O hip hop é underground. Tem
artistas sem dinheiro, discos produzidos em casa, divulgação boca-a-boca. Como nas leis da física,
forças opostas podem partir do
mesmo corpo, ainda que em direções contrárias. Mais acostumado
com a versão "mainstream" do
rap, o público paulistano tem a
chance de conhecer o lado independente da força amanhã e domingo, quando o festival Indie
Hip Hop apresenta gratuitamente
no Sesc Santo André um dos pilares da cena underground norte-americana, o grupo californiano
Hieroglyphics.
Aglutinados em forma de
"crew" -verbete básico na cartilha do hip hop, significa coletivo
de MCs, DJs, b-boys e grafiteiros
unidos sob a mesma alcunha-
há mais de uma década, os rappers Del the Funky Homosapien,
Pep Love, Casual e o grupo Souls
of Mischief declararam independência depois de uma sucessão de
desavenças com suas ex-gravadoras Jive e Elektra.
O som era rap; o espírito, punk.
Contaminados por uma espécie
de "do it yourself", em meados
dos 90 fundaram a Hiero Imperium, gravadora própria pela qual
lançaram "Third Eye Vision"
(1997) e "Full Circle" (2003).
Dos sete amigos que se conheceram fazendo "freestyle" (improviso) nos corredores da escola
nos anos 80, Del é o único que
passeia sob os holofotes do pop de
vez em quando. É ele quem rima
no hit "Clint Eastwood", do Gorillaz, além de ser dono do clássico
"Mistadobalina", que bombou as
pistas em 91. Mas Del não vem a
São Paulo. Excêntrico, não gosta
de viajar. No Sesc, os Hiero esperam encontrar "gente interessada
em hip hop feito com o coração".
De Oakland, Califórnia, Pep Love
conversou com a Folha.
Folha - Vocês são de uma época
em que o hip hop ainda era um gênero segmentado, de gueto. Hoje
foi totalmente assimilado pela indústria cultural. O que significa ser
underground ou independente
nesse contexto?
Pep Love - Nós somos underground antes de sermos independentes. Para mim são coisas diferentes. Ser independente tem a
ver com o modo com o qual você
produz e lança sua música. Já o
underground está relacionado à
sua produção artística, ao jeito
que você pensa. No rap, também
se associa underground a certas
características musicais, como letras mais complexas e batidas
mais pesadas, cruas. Não tem a
ver com exposição na mídia ou
dinheiro, entende?
Folha - Sim. Mas o que você acha
de Lord Jamar [membro do Brand
Nubian, grupo do chamado rap positivo] ter dito que "não ter um milhão de dólares para ferrar a cabeça deles foi o que os manteve com
os pés no chão"?
Love - Não acho que ter um milhão de dólares poderia me ferrar... [risos].
Folha - O dinheiro que artistas como Eminem e 50 Cent ganham não
influencia a música que fazem?
Love - Acho que é uma questão
de personalidade, não há regra. Se
eu tivesse rios de dinheiro, continuaria fazendo e gostando do
mesmo tipo de som. Se alguém
perde a identidade porque ganhou muita grana é porque não a
tinha antes.
Folha - Casual [MC do Hieroglyphics] disse que o hip hop se tornou
muito superficial. Você concorda?
Love - Sim. O hip hop se transformou numa vadia que só quer
saber de bling-blings [as correntes ostentadas por alguns rappers], champanhe, contratos milionários... Se a "vibe" não fosse
essa, teríamos mais criatividade e
força para promover mudanças.
Folha - Na política, por exemplo?
Por que não escutamos mais letras
críticas como as que o Public
Enemy fazia nos anos 80?
Love - Pergunte para a indústria
fonográfica, para as redes de TV.
Folha - Em quem você votou?
Love - Não votei no Bush. Mas,
quer saber? Eu não acredito no
poder político que comanda os
Estados Unidos e pronto.
Folha - De alguns anos para cá,
tudo o que é moderno ganhou uma
pitada de hip hop, que se misturou
ao rock, à música eletrônica. Qual a
sua opinião?
Love - Certamente o rock e a eletrônica se beneficiaram muito
mais dessa mistura do que o hip
hop. Rock é algo tão sem vida hoje
que precisa de frescor... E o hip
hop tem essa energia.
Folha - Já ouviu rap brasileiro?
Love - Já ouvi Racionais MC's.
Folha - E que tal?
Love - É muito bom. Eles têm a
cara da rua, transmitem algo pesado, duro. Também já ouvi Marcelo D2. Ele tem uma boa vibe.
Folha - O que falta para o hip hop
hoje?
Love - Sinceridade, emoção. A
arte do grafite junto com o movimento do break, o DJ e o MC em
sintonia... Falta o senso de comunidade. Como era no início.
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