São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2001

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TV CULTURA

Jorge da Cunha Lima, que administra a emissora, diz que a programação está melhor e que logo trará bons resultados

"Estamos no rumo certo", diz presidente

Divulgação
O presidente da Fundação padre Anchieta, Jorge da Cunha Lima, qua administra a TV Cultura


DA REPORTAGEM LOCAL

Por trás da nova filosofia da TV Cultura existe um nome: Jorge da Cunha Lima. Aos 69 anos, o presidente da Fundação Padre Anchieta, que administra a emissora desde 1995, não tem dúvida de que está no rumo certo para construir uma televisão pública de sucesso.
Sem rodeios, recebeu a Folha em seu escritório e não vacilou nem para responder o que achou de o "Castelo Rá-Tim-Bum" ter exibido um comercial da boneca Barbie: "Isso foi um erro. A Barbie é uma coisa escrota". Leia os principais trechos da entrevista. (LAURA MATTOS)

Folha - Em 2000, a Cultura passou a trabalhar mais com publicidade, a mudar seus conceitos...
Jorge da Cunha Lima -
Foi uma retomada de pensamentos. Para colocar projetos em prática, nós precisávamos de verba. Tínhamos de pagar dívidas. Enquanto estávamos preocupados com dívidas, a nova ação filosófica ia para o brejo.

Folha - Dívidas com serviços que, privatizados, como Embratel, passaram a ser cobrados da Cultura?
Cunha Lima -
Antes, os pagamentos não eram rigorosos. Não era justo que, além de dar a programação para TVs de todo o país, pagássemos a transmissão. Como prestava serviço ao governo e a Embratel era do governo, eles entendiam isso. Com a mudança, pagamos parte da dívida e o resto virou uma bola de neve.

Folha - Na busca de anunciantes, a Cultura passou a se preocupar com a audiência?
Cunha Lima -
Antes nos desesperávamos com isso. Mas percebemos que deveríamos fazer pesquisas qualitativas, para ver se o segmento que pretendemos atingir gosta ou não da programação. Nós falamos para um público segmentado, com forte compreensão da mensagem publicitária. Outra idéia é a publicidade institucional de produto, que não fica estimulando consumo, mas empresta o prestígio da Cultura à marca.

Folha - Mas essa idéia se encaixa, por exemplo, no anúncio da Barbie no "Castelo Rá-Tim-Bum"?
Cunha Lima -
A Barbie não está no "Castelo Rá-Tim-Bum".

Folha - Mas já foi anunciada.
Cunha Lima -
Erraram. A Barbie é uma coisa escrota. Às vezes só percebemos o inconveniente depois. A idéia de publicidade institucional é nova. Quando me perguntaram o que é publicidade institucional, respondi que seria mais fácil definir o que não poderíamos anunciar. Não podemos, por exemplo, usar aqueles comerciais testemunhais que eu acho mais escrotos que a Barbie.

Folha - Não é complicado definir o que é ético anunciar na Cultura?
Cunha Lima -
No Brasil, ninguém entendeu que, pela Constituição, temos três tipos de televisão: educativa, pública e comercial. Como isso nunca foi regulamentado, todo mundo acha que só existem TV educativa e comercial. E a educativa não poderia nem receber doação. Então, querem enquadrar a TV pública, que é a Cultura, nessas restrições. A televisão pública não tem finalidade de lucro, mas sobrevive com o apoio da sociedade, do governo e das empresas, por meio da publicidade institucional, patrocínios.

Folha - Por que a Cultura optou por terceirizar a venda de espaço publicitário em vez de criar um departamento comercial interno?
Cunha Lima -
Porque isso não é permitido. A conquista de um mercado tem de ser feita por uma empresa intermediária que vai arriscar, fazer despesas. E, se fizermos isso internamente, no terceiro dia o Tribunal de Contas me mata. Outra coisa: eu ganho R$ 8.000, R$ 7.000, quando um presidente de TV comercial ganha R$ 50 mil, R$ 100 mil. Se chamar um diretor comercial e disser o salário que ele poderia ganhar, que não poderia ser maior que o meu, ele vai me mandar comer prego.

Folha - E por que a Connect foi escolhida, mesmo sem licitação?
Cunha Lima -
Porque não há esse tipo de empresa no mercado, com experiência de captação de publicidade para TV pública. Os que mais se aproximam são os que vendem publicidade de TV paga. O Tribunal de Contas mandou abrir concorrência e abrimos. E os mesmos apareceram.

Folha - A Connect não foi formada justo na época em que a Cultura precisava do serviço?
Cunha Lima -
Ela foi formada, acho, para isso.

Folha - E como ela não tinha know-how no negócio, contratou outra empresa, a Starsat, que já fazia o trabalho para a TV paga...
Cunha Lima -
Não. Ela tinha muito mais know-how porque o Marcos (Amazonas, dono da Connect) é o maior know-how do Brasil. Estamos fazendo uma concorrência transparente. Mas não posso arriscar fazendo uma concorrência na qual pudesse entrar todo mundo e daqui a seis meses eu não teria nenhum tostão.

Folha - A Starsat trabalhava para a Connect vendendo o espaço publicitário da Cultura e ficava com 12% de comissão. Depois, a Connect tirava 20% de comissão...
Cunha Lima -
É tão primária essa questão que respondo por respeito a você. A Starsat, a Connect ou qualquer empresa que faz isso tem despesa estrutural. A TV Cultura não existia no mercado publicitário. A Connect gastava com uma estrutura inteira de comunicação, folhetos, cafés da manhã, gestão, gerência. E a Starsat funcionava como um corretor. Mas, se eu contratar direto o corretor, como bater na porta da (agência de publicidade) DPZ?

Como vão as finanças da Cultura?
Cunha Lima -
A situação financeira chegou a um certo equilíbrio. Primeiro com a compreensão do governo de manter o orçamento sem cortes, com ajuda para investimento, e com o advento de R$ 18 milhões a R$ 20 milhões vindo da publicidade institucional. Para 2001, teremos a ajuda da Lei Rouanet, que agora nos deu a possibilidade de arrecadar R$ 5 milhões para a programação.

Folha - Por que houve mudança em toda a programação?
Cunha Lima -
Decidimos dividir a programação por faixas de horários destinadas a diferentes segmentos. A idéia é fidelizar mais o telespectador, fazer com que ele memorize a programação.

Folha - Mas todos parecem sentir saudade do tempo em que a Cultura tinha boa audiência no horário nobre, com o "Castelo Rá-Tim-Bum"...
Cunha Lima -
O que acontecia na época é que não tínhamos concorrência. Depois que o "Castelo" atingiu aqueles pontos malucos, em 1995, o Silvio Santos comprou a programação da Disney. Todo mundo entrou de sola nesse nicho, com os desenhos japoneses...

Folha - "Ilha Rá-Tim-Bum", que seria o próximo grande investimento da Cultura, não sai do papel há três anos. Com as trocas de equipes, não houve desperdício de dinheiro?
Cunha Lima -
Houve alguns erros. Tivemos diretores contratados antes de termos a idéia pronta. Mas vamos lembrar que o "Castelo Rá-Tim-Bum" demorou quatro anos, mesmo havendo recursos fartos na época. A produção de um programa como a "Ilha" é complicada. Essa demora acontece em todas as emissoras.

Folha - O problema é que quando acontece na Cultura há mais cobrança, por se tratar de uma emissora que envolve verba pública...
Cunha Lima -
Você tem razão. A Cultura é uma fundação de direito privado, embora seja TV pública. Temos dinheiro do Estado, mas essa verba é gasta com a manutenção da emissora. Na "Ilha", coloco dinheiro de patrocínio.

Folha - O que vem em 2001?
Cunha Lima -
Nossa idéia é fazer de meia-noite ao meio-dia só programas de educação, o que chamo de Universidade da Madrugada. Antes, não acreditava em educação à distância. Mas, com a Internet, essa utopia voltou. O telespectador vê o programa, recebe as apostilas e pode entrar na Internet e tirar dúvidas com o professor.




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