São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2001

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TELEVISÃO/CRÍTICA


Minissérie "Os Maias" tem início com capítulo um pouco irregular



ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA



Uma primeira sequência ousada, longa e contemplativa, um miolo de capítulo difícil e, ao final, a introdução de ação que promete. Assim, um pouco irregular, foi a estréia de "Os Maias" anteontem. Uma adaptação literária de um clássico da literatura portuguesa, uma superprodução com pretensões cinematográficas, no atual panorama -de busca de alternativas para a teleficção-, o trabalho aposta na grandiosidade.
O olhar nostálgico e emocionado de Carlos da Maia (Fábio Assunção) sobre o casarão abandonado de seu avô, o patriarca da Maia, introduziu a minissérie com raro primor cenográfico e de iluminação. A memória do filho introduz a saga do pai, Pedro da Maia, cuja complexidade não conseguiu vencer as limitações da telinha. Reduzido à melancolia regada a muitas lágrimas, Pedro não cativa. Ao menos até que inicia o romance proibido que insemina a narrativa.
Com seis semanas de gravação além-mar, "Os Maias" se passa no estrangeiro. Os da Maia se apresentam como os que acreditaram, mas não conseguiram, mudar um país, que não é o Brasil. No texto de Eça de Queirós, o Brasil, e principalmente as brasileiras, mãe e filha, vem carregado de significações exóticas que estruturavam a imaginação do império. Será interessante observar a antiga metrópole colonial representada em uma produção da ex-colônia, que, ironicamente, aliás, se especializou nas artes do espetáculo televisivo, invertendo o sentido do fluxo de produtos culturais.
Será curioso ver como os portugueses, ávidos consumidores dos produtos dessa economia, que desfrutam da manufatura de imagens "made in Brazil", um pouco como consumiram a madeira, o açúcar, o ouro e o café da colônia, apreciarão a apropriação.
O desafio em uma adaptação literária para a TV é ir além das oposições básicas que estruturam a narrativa -e vale observar que dentre as inúmeras possibilidades de textos a serem adaptados, a escolha muitas vezes recai sobre obras de base melodramática.
Aquele olhar fatal que dá início ao romance, o apelido "a negreira", a fala em que a jovem senhorita de peito arfante declara sua preferência pelas touradas espanholas, já que em Portugal haveria pouco sangue, são características que vão compondo a personagem mãe, em oposição ao caráter frágil e chorão do pai. Cabe aguardar que a caracterização se enriqueça, compondo um tecido capaz de especificar a profundidade dramática de um personagem em sua implicação histórica múltipla.
Mais do que o orçamento milionário, vale esperar a densidade dramática do texto de Maria Adelaide Amaral, a direção de Luiz Fernando Carvalho e a performance de um elenco que inclui Matheus Nachtergaele, José Lewgoy, Walmor Chagas e Myriam Muniz, atriz que honra, com sua presença, o universo da telinha.


Avaliação:    


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