São Paulo, sábado, 11 de janeiro de 2003

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ANÁLISE

Composto por três volumes, lançamento traz cartas escritas e recebidas por líder comunista entre 1936 e 45

Livros compilam cartas de Prestes na prisão

Mário Magalhães/Folha Imagem
Identificação de Olga Benario; à dir., ficha ao ser presa no Rio


DA SUCURSAL DO RIO

Figura -síntese no Brasil de uma ""era de guerras e revoluções", Luiz Carlos Prestes não mereceu até hoje um relato biográfico à altura do recebido por sua primeira mulher, Olga Benario (viúvo, ele se casou de novo).
Uma contribuição indispensável a quem se dispuser a encarar a empreitada acaba de sair em três volumes que, juntos, somam 1.840 páginas. Os livros reúnem 900 cartas que Prestes escreveu e recebeu nos anos em que esteve preso no Rio (1936-45).
O trabalho foi organizado pela historiadora Anita Leocádia Prestes, 66, e sua tia Lygia Prestes, 89. Professora de história do Brasil na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Anita é filha de Olga e Prestes, de quem Lygia era a irmã caçula.
O título, ""Anos Tormentosos", inspira-se numa frase da mãe de Prestes, Leocádia, em carta em 1942: ""E assim vão se passando os anos mais tormentosos de nossa vida".
O primeiro volume foi lançado há dois anos, pelo Arquivo do Estado do Rio. Os outros dois saem agora, com nova edição do primeiro, numa associação da instituição fluminense com a editora Paz e Terra.
O projeto foi concebido e implementado pelas parentes de Prestes e a historiadora Jessie Jane Vieira de Souza, ex-diretora do arquivo. Só foi possível porque Lygia guardou com ela por mais de 60 anos a correspondência do irmão. Com a mãe, ela criava Anita no exterior desde que a menina saiu da prisão na qual vivia com Olga em Berlim. Lygia e Leocádia intermediavam a troca de cartas de Prestes com a mulher e outras pessoas.
Na Alemanha, Olga só podia escrever e receber cartas em alemão. A família Prestes providenciava traduções e ficava com os originais ou cópias. A esmagadora maioria nunca foi publicada.
Só de cartas entre Olga e Prestes (de 1937 a 42) há 176 páginas, no terceiro volume. São mensagens de tristeza pela separação, felicidade pela filha e esperança de reencontro. Conhecendo o epílogo, são páginas dolorosas.
Os textos expõem a ciclotimia política de Prestes. Ultra-esquerdista em 1935, aliado de Getúlio Vargas dez anos depois. Ele foi isolado, longe do burburinho da prisão narrado em ""Memórias do Cárcere", de Graciliano Ramos, no qual Olga é personagem.
Escreveu com a energia com que, na Itália, o marxista Antonio Gramsci (1891-1937) preenchera entre o fim da década de 1920 e o começo da de 30 três dezenas de cadernos do cárcere, alicerçando o pensamento que até hoje tem certa influência. Prestes sabia-se censurado pela polícia e estava a anos-luz do repertório teórico gramsciano. Mas suas mensagens revelam interesses intelectuais mais vastos e uma ternura maior do que se costuma supor.
Ao ler suas cartas, é inescapável a impressão de que algo se perde com o fim da tradição epistolar. Na era da correspondência eletrônica, os historiadores do futuro terão mais dificuldades para contar o passado. (MÁRIO MAGALHÃES)


ANOS TORMENTOSOS. Organização: Anita Leocádia Prestes e Lygia Prestes. Editora: Paz e Terra. Quanto: R$ 50 (cada volume); 1º vol., 628 págs., 2º vol., 526 págs., 3º vol., 686 págs.


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