São Paulo, sábado, 11 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Líder comunista ofusca vida de Olga

DA SUCURSAL DO RIO

O olhar dos adversários por vezes é boa medida para aquilatar a dimensão de uma figura histórica. O jornalista Paulo Francis (1930-97) tinha aversão a Luiz Carlos Prestes. Dizia, porém: no século 20, o Brasil teve dois grandes personagens: Getúlio Vargas, presidente duas vezes (1930-1945; 1951-1954), e Prestes.
A trajetória de Prestes (1898-1990) acabou ofuscando Olga Benario (1908-42) da história do Brasil. Mesmo entre os acadêmicos e memorialistas de esquerda, a maioria simpática à corrente política à qual ela se filiava, a revolucionária alemã não passava de mulher do maior líder do Partido Comunista Brasileiro. Um aposto histórico. Até o aparecimento da biografia "Olga", de Fernando Morais, em 1985.
A crônica sobre Prestes e Olga se aproxima de um épico. Num feito de repercussão mundial, de 1924 a 1927 ele comandou por 25 mil quilômetros uma tropa de insurgentes, a Coluna Prestes, que pretendia derrubar o governo central. Passou a ser chamado pelos adeptos de "Cavaleiro da Esperança". Exilado na Bolívia, aproximou-se do marxismo e viajou no começo dos anos 30 para a então União Soviética. Lá, aderiu ao Comintern, como era conhecida a Internacional Comunista, organização controlada por seu maior partido, o da própria URSS.
Olga ganhou um lugar cativo nos arquivos da polícia política alemã em 1928, quando participou de uma operação que libertou da prisão de Moabit seu namorado, o professor Otto Braun.
Quando foi presa em 1936, no Rio, suas fotos foram enviadas para a Alemanha. A embaixada do Brasil encaminhou-as para a Gestapo, a polícia secreta nazista. No relatório de tom anti-semita transmitido pelo embaixador em Berlim ao Ministério das Relações Exteriores, Olga foi descrita como "elemento considerado altamente eficiente pela sua coragem e viva inteligência". Cópia do relatório está no Arquivo Público do Estado do Rio.
Da Alemanha, Olga foi para a URSS. Tornou-se espiã do Exército Vermelho. Não foi contudo nessa condição que foi escalada para a viagem ao Brasil, e sim na de guarda-costas de Prestes.
O Comintern engolira a análise prestista de que as condições amadureciam para uma revolução proletária no país. Militantes de diversos países foram enviados para a conspiração, financiada e co-dirigida por Moscou, como comprovou William Waack no livro "Camaradas" (1993).
Fracassou o levante de 1935, quando Olga e Prestes já haviam se tornado de fato marido e mulher. Rebeldes foram torturados e mortos. Olga e Prestes seriam presos em março de 1936. Grávida, ela se colocou à frente do marido para impedir que atirassem nele. Foram separados no prédio da Polícia Central. Nunca mais se viram. Olga foi deportada em outubro para a Alemanha, onde teve a filha e morreu em 1942 na câmara de gás do Holocausto.
Prestes ficou preso até 1945, quando, como chefe máximo do então poderoso PCB, apoiou com entusiasmo o mesmo Getúlio Vargas que deu sua mulher de presente a Adolf Hitler. Prestes morreu em 1990. O velho comunista perdera o controle do seu partido e se opunha ao PT.
Nos anos 30, Olga e Prestes foram típicos personagens de um tempo de paixões. Arriscaram a vida, e ela a perdeu, em nome do ideal de mudar o mundo. Enquanto isso, o regime stalinista que apoiavam exterminava milhões de pessoas na URSS. (MM)


Texto Anterior: Análise: Livros compilam cartas de Prestes na prisão
Próximo Texto: Carta: De Luiz Carlos Prestes para Olga Benario
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.