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"NARCODITADURA" / "A ARTE DE FAZER UM JORNAL DIÁRIO"
Souza e Noblat confrontam limites éticos do repórter
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O mercado editorial brasileiro tem registrado nos últimos dois anos um aumento significativo da oferta de títulos escritos por jornalistas como resultado
da sua prática ou de suas reflexões
a respeito da atividade.
Não chega a constituir um paradoxo inexplicável o fato de isso
ocorrer exatamente num período
em que a circulação total de
exemplares de veículos periódicos impressos no país deixou de
registrar índices de crescimento
expressivo, como ocorrera nos
primeiros anos da década de 1990.
A tiragem dos livros de e sobre
jornalismo no Brasil é em geral
pequena e parece atender à demanda especialmente de estudantes das centenas de cursos de
comunicação social em todo o
país. O fenômeno também expressa o amadurecimento do interesse pelos meios de comunicação de massa por parte de seus
consumidores formados ao longo
dos últimos 20 anos.
A proliferação desses livros é,
em si mesma e sem dúvida, algo a
ser celebrado, já que a bibliografia
existente nesse campo específico
foi sempre reduzida e dominada
por autores estrangeiros. A circulação de idéias a respeito do assunto só pode resultar em algum
tipo de aprimoramento da profissão, por mais difícil que seja sentir
esses efeitos no cotidiano.
Dois lançamentos recentes ilustram essa hipótese. Um, "Narcoditadura", de Percival de Souza,
trata especificamente do caso Tim
Lopes, o repórter da Rede Globo
assassinado por narcotraficantes
no Rio, no ano passado. Outro, "A
Arte de Fazer um Jornal Diário",
mais genérico, reúne observações
do autor sobre sua experiência
acumulada em 35 anos de jornalismo.
Ambos sofrem de descuidos
editoriais elementares, que, infelizmente, são a regra no mercado
de livros brasileiro e prejudicam
as melhores intenções, em especial em trabalhos que, como estes,
têm no público acadêmico um alvo preferencial, como a ausência
de índices remissivos e bibliografia extensiva.
Os livros de Souza e Noblat, no
entanto, estão repletos de conceitos e exemplos que ajudam muito
a pensar o jornalismo brasileiro e
travam entre si, involuntariamente talvez, um interessante debate a
respeito de um deles: os limites
éticos da investigação por parte
do repórter.
Percival de Souza, um dos mais
respeitados jornalistas da área policial da imprensa do país, faz
uma elegia ao amigo Tim, a quem
se refere sempre no texto como
Arcanjo (primeiro nome de Lopes), e conclui que ele estava "no
lugar certo" quando foi sequestrado por bandidos. Já Noblat,
responsável pelo notável aprimoramento do "Correio Brasiliense"
nos últimos anos e que dá a um de
seus subcapítulos o título "Jornalista não é Deus", afirma que
"quem aplicou o golpe fatal [em
Lopes" (...) foi um conceito de jornalismo que degrada a profissão".
Esse e outros assuntos, para os
quais provavelmente não haja
respostas definitivas, merecem
ruminação intelectual aprofundada no Brasil para que jornalistas e
público sejam capazes de definir
com precisão como esta sociedade específica pode se beneficiar ao
máximo da atividade informativa
dos seus meios de comunicação
de massa. Por isso, quanto mais
trabalhos desse gênero aparecerem no mercado editorial, melhor
para todos.
Narcoditadura
Autor: Percival de Souza
Editora: Labortexto Editorial
Quanto: R$ 35 (272 págs.)
A Arte de Fazer um Jornal Diário
Autor: Ricardo Noblat Editora: Contexto Quanto: R$ 23,90 (176 págs.)
Carlos Eduardo Lins da Silva, 49, é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
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