São Paulo, sábado, 11 de janeiro de 2003

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"NARCODITADURA" / "A ARTE DE FAZER UM JORNAL DIÁRIO"

Souza e Noblat confrontam limites éticos do repórter

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O mercado editorial brasileiro tem registrado nos últimos dois anos um aumento significativo da oferta de títulos escritos por jornalistas como resultado da sua prática ou de suas reflexões a respeito da atividade.
Não chega a constituir um paradoxo inexplicável o fato de isso ocorrer exatamente num período em que a circulação total de exemplares de veículos periódicos impressos no país deixou de registrar índices de crescimento expressivo, como ocorrera nos primeiros anos da década de 1990.
A tiragem dos livros de e sobre jornalismo no Brasil é em geral pequena e parece atender à demanda especialmente de estudantes das centenas de cursos de comunicação social em todo o país. O fenômeno também expressa o amadurecimento do interesse pelos meios de comunicação de massa por parte de seus consumidores formados ao longo dos últimos 20 anos.
A proliferação desses livros é, em si mesma e sem dúvida, algo a ser celebrado, já que a bibliografia existente nesse campo específico foi sempre reduzida e dominada por autores estrangeiros. A circulação de idéias a respeito do assunto só pode resultar em algum tipo de aprimoramento da profissão, por mais difícil que seja sentir esses efeitos no cotidiano.
Dois lançamentos recentes ilustram essa hipótese. Um, "Narcoditadura", de Percival de Souza, trata especificamente do caso Tim Lopes, o repórter da Rede Globo assassinado por narcotraficantes no Rio, no ano passado. Outro, "A Arte de Fazer um Jornal Diário", mais genérico, reúne observações do autor sobre sua experiência acumulada em 35 anos de jornalismo.
Ambos sofrem de descuidos editoriais elementares, que, infelizmente, são a regra no mercado de livros brasileiro e prejudicam as melhores intenções, em especial em trabalhos que, como estes, têm no público acadêmico um alvo preferencial, como a ausência de índices remissivos e bibliografia extensiva.
Os livros de Souza e Noblat, no entanto, estão repletos de conceitos e exemplos que ajudam muito a pensar o jornalismo brasileiro e travam entre si, involuntariamente talvez, um interessante debate a respeito de um deles: os limites éticos da investigação por parte do repórter.
Percival de Souza, um dos mais respeitados jornalistas da área policial da imprensa do país, faz uma elegia ao amigo Tim, a quem se refere sempre no texto como Arcanjo (primeiro nome de Lopes), e conclui que ele estava "no lugar certo" quando foi sequestrado por bandidos. Já Noblat, responsável pelo notável aprimoramento do "Correio Brasiliense" nos últimos anos e que dá a um de seus subcapítulos o título "Jornalista não é Deus", afirma que "quem aplicou o golpe fatal [em Lopes" (...) foi um conceito de jornalismo que degrada a profissão".
Esse e outros assuntos, para os quais provavelmente não haja respostas definitivas, merecem ruminação intelectual aprofundada no Brasil para que jornalistas e público sejam capazes de definir com precisão como esta sociedade específica pode se beneficiar ao máximo da atividade informativa dos seus meios de comunicação de massa. Por isso, quanto mais trabalhos desse gênero aparecerem no mercado editorial, melhor para todos.


Narcoditadura
   Autor: Percival de Souza Editora: Labortexto Editorial Quanto: R$ 35 (272 págs.)



A Arte de Fazer um Jornal Diário
   Autor: Ricardo Noblat Editora: Contexto Quanto: R$ 23,90 (176 págs.)



Carlos Eduardo Lins da Silva, 49, é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"


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