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LIVRO/LANÇAMENTO
"ALBERT CAMUS E O TEÓLOGO"
Obra realça preocupação de Camus com a religião
Divulgação
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Albert Camus, tema de livro de Howard Mumma |
MANUEL DA COSTA PINTO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Para os leitores acostumados
com o Albert Camus (1913-1960) de "O Estrangeiro", com o
Camus do "pensamento mediterrâneo" -que em "O Homem Revoltado" formulou uma ética ao
mesmo tempo trágica e libertária,
inspirada tanto em Nietzsche
quanto na sensualidade solar de
sua Argélia natal- o livro de Howard Mumma que acaba de ser
lançado, "Albert Camus e o Teólogo", será uma surpresa.
Pastor metodista que viveu na
França nos anos 50, Mumma relata uma série de encontros com o
escritor. O retrato que surge é o de
um homem consumido por aflições espirituais, um ateu a contragosto, obsedado pela tentativa de
dar um sentido aos dilaceramentos morais e políticos de uma Europa traumatizada pela Segunda
Guerra e pelo Holocausto.
A preocupação de Camus com o
pensamento religioso não chega a
ser uma novidade, mas certamente ocupa um lugar menos conhecido de sua obra. Na juventude,
ele escreveu "Metafísica Cristã e
Neoplatonismo", em que discute
o cristianismo primitivo e o pensamento de Plotino e Santo Agostinho. Ao longo de sua produção,
pode-se detectar a presença de
Pascal e Dostoiévski: a noção de
"absurdo" ecoa o "Deus escondido" dos aforismos pascalianos;
"A Queda", sua obra mais complexa, é um diálogo com "Memórias do Subsolo", a sombria novela do romancista e cristão ortodoxo russo. Nesse sentido, as reuniões entre Mumma e Camus ajudam a traçar a origem teológica
de alguns temas de suas obras.
A longa discussão sobre a teodicéia (a justificação da existência
do Mal em um mundo governado
por um Deus supostamente onipotente e misericordioso) é o
ponto alto do livro e permite o
confronto entre a visão de Mumma (para quem a possibilidade da
injustiça e da dor é inerente ao livre arbítrio conferido por Deus ao
homem) e a insurreição metafísica de Camus, que fez do romance
"A Peste" uma meditação sobre a
gratuidade dos flagelos humanos.
Ao longo de todo o livro persiste
uma incômoda sensação de que
os diálogos reconstituídos têm algo de inverossímil, que há algo de
ficcional. Isso se deve, em parte, à
própria gênese do livro, que foi
escrito em 2000 (ou seja, cerca de
50 anos após os eventos narrados), com base em anotações esparsas e recordações que são incompatíveis com o requinte de
detalhes dos diálogos. Mumma
descreve gestos e expressões faciais de Camus que dificilmente
poderiam ter se conservado em
suas lembranças na forma pretensamente documental relatada.
Essa impressão é corroborada
por uma grave inconsistência factual: ao rememorar o acidente de
automóvel que matou o escritor
em 1960, Mumma afirma ter lamentado seu fracasso em restaurar a fé de Camus, que teria sido
"suficiente para ter impedido o
que (...) era obviamente um suicídio". A suposição de suicídio só
teria sentido se Camus estivesse
ao volante, mas, como se sabe, ele
era passageiro do carro. Tais imprecisões, contudo, não comprometem a leitura do livro. A honestidade intelectual faz com que
Mumma declare que suas transcrições não constituem um registro literal. E o fato é que, mesmo
oscilando entre memória e invenção, ele consegue compor um retrato fiel das aflições que percorreram a vida e a obra de Camus.
Manuel da Costa Pinto é jornalista, editor da revista "Cult" e autor de "Albert Camus: Um Elogio do Ensaio" (Ateliê Editorial)
Albert Camus e o Teólogo
Autor: Howard Mumma Editora: Carrenho Editorial Quanto: R$ 22 (128 págs.)
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