"Jimmy Corrigan - O Garoto Mais Esperto do Mundo" mostra filho em busca do pai; leitura é desafiante

DIOGO BERCITO
DA REPORTAGEM LOCAL

A literatura tem o "Ulysses", de James Joyce. O cinema, "Cidade dos Sonhos", de David Lynch. Mas qual é a obra difícil das histórias em quadrinhos? Aos leitores, um bom candidato: o gibi "Jimmy Corrigan - O Garoto Mais Esperto do Mundo", do premiado Chris Ware (praticamente um colecionador de Prêmios Eisner), publicado em 2000 nos EUA e no mês passado no Brasil.
Diferentemente daqueles livros de que se diz que é possível ler em uma sentada só, "Jimmy Corrigan" é um trabalho complicado tanto do ponto de vista emocional quanto do técnico. O leitor adulto logo entende a dimensão sentimental. É a história -baseada na vida do próprio Ware- de um adulto decidido a conhecer o pai que o abandonou quando criança.
A tarefa hercúlea fica para a hora de decifrar o exótico código visual do autor, baseado na publicidade e no design gráfico. Quadrinhos giram no meio da página, plantas baixas interrompem a narrativa, cenas são narradas através de um vidro amarelo e diagramas complexos explicam detalhes. A complicação é tanta que, antes da metade do livro, há um resumo do enredo, para quem se perdeu no caminho.
Como na literatura ergódica, a que requer esforços não triviais para a compreensão do texto, "Jimmy Corrigan" espera de seu leitor que supere a dor de cabeça e encontre alguma satisfação intelectual na tarefa.

Na vida real
Passado o trauma diante da complexidade da obra, surge uma série de histórias quase idênticas de infâncias tristes que culminam em vidas adultas frustradas e vazias. A família Corrigan parece fadada a esse figurino melancólico.
Nesse enredo, os vilões são sempre os pais -grosseiros e desatentos com seus filhos. O tempero da história vem da experiência de Ware, que começou o gibi em 1993 como maneira de se preparar para conhecer seu pai -que, no ínterim, o procurou para conversar. Encontraram-se uma única vez. Quando o autor terminou a obra e quis entregar uma cópia para o genitor, descobriu que ele tinha acabado de morrer.
No posfácio do volume, Ware faz o balanço do gibi: "As quatro ou cinco horas que sua leitura tomaram quase correspondem ao tempo total que passei ao lado de meu pai". E, ainda, observa que "seu tamanho final de impressão parece quase idêntico em volume ao da pequena caixa preta, ou urna, diante da qual me postei [...] perante uma foto do homem que [...] ela continha".