São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 2000


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ANÁLISE
Diretor fundiu erotismo, revolta e poesia

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas


Não há nada mais equivocado do que pensar Luis Buñuel como um artista delirante, cuja obra seria marcada pelo niilismo e pela gratuidade.
Como notaram críticos perspicazes como Octavio Paz, André Bazin e Paulo Emilio Sales Gomes, em Buñuel o aparente desvario é lucidez, e a rebeldia é um imperativo moral.
"Ateu graças a Deus" (segundo sua própria definição), Buñuel foi entretanto profundamente marcado pelo imaginário católico medieval -fruto de sua formação num colégio jesuíta-, que ele passou a virar do avesso a partir da leitura de Sade, aos 25 anos.
Esse universo filosófico e estético, feito de iconografia cristã e radicalismo sadiano, já estava incorporado em Buñuel quando ele fez seu primeiro filme, o curta "Um Cão Andaluz" (1928), em parceria com Salvador Dalí.
Desde então, seu cinema atravessou várias fases, gêneros e condições de produção.
Grosso modo, a carreira de Buñuel divide-se em três grandes períodos: os anos heróicos do surrealismo, na França, quando realizou "Um Cão Andaluz" e "A Idade do Ouro" (1930); a fase mexicana (1947-62); e o segundo período francês, quando conquistou a consagração mundial com obras como "Bela da Tarde" (1967) e "O Discreto Charme da Burguesia" (1972).
Entre essas fases, realizou dois filmes capitais na Espanha: o documentário "Las Hurdes - Terra sin Pan" (1932) e a obra-prima "Viridiana" (1961).
O período mais sujeito a equívocos de interpretação foi o mexicano: durante muito tempo, muitos críticos o menosprezaram em bloco, como uma capitulação de Buñuel ao cinema comercial, da qual só se salvavam "Nazarin", "Los Olvidados" e "O Anjo Exterminador".
Aos poucos, com a ajuda de críticos como Bazin e François Truffaut, descobriu-se que Buñuel se servira de gêneros como o melodrama e a comédia de costumes para colocar nas telas sua ferocidade antiburguesa e sua irredutível poesia.
Hoje parece incontestável a coerência da obra de Buñuel, marcada pelo elogio radical do desejo, e pelo ataque a todas as instituições repressoras: o Estado, a religião, a moral estabelecida.
Seu último filme foi "Esse Obscuro Objeto do Desejo". Buñuel concebia a arte como hipnose -e sabia praticá-la como ninguém.


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