São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 2000


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CRÍTICA
Degenerescência à americana

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Não chega a ser estranho que "Medo e Delírio" tenha sido um fracasso nos EUA. Neste filme em dois atos, Terry Gilliam oferece uma visão sinistra do "sonho americano", tal como vivenciada por dois drogados anárquicos em Las Vegas, na virada para os anos 70. A época é importante: a Guerra no Vietnã corre solta, a era Nixon começa. É o declínio do tempo do delírio, o início de uma era de medo.
Gilliam -baseado no romance "Las Vegas na Cabeça", de Hunter S. Thompson- situa seu filme no coração da imbecilidade americana: Las Vegas, ali onde o espírito do homem vencedor encontra sua manifestação mais degenerescente.
O curto-circuito era compreensível: a América do fim dos anos 90, mais do que nunca segura de si, não está disposta a lembrar um tempo em que o ideário libertador do dr. Timothy Leary ainda parecia fazer sentido.
Esse talvez seja o único motivo para o fracasso, embora não signifique que "Medo e Delírio" seja um filme a reter, menos por seu argumento -interessantíssimo- do que pela grosseria como é trabalhado por Gilliam.
Na primeira metade, Raoul Duke (Johnny Depp), jornalista, e o dr. Gonzo (Benicio Del Toro), advogado, dirigem-se a Las Vegas a fim de cobrir uma corrida de motos. Na segunda, cobrem uma convenção de policiais sobre drogas.
O filme vê o mundo pelo olhar muito particular de Duke, o que significa uma mistura de maconha, cocaína, anfetaminas, LSD etc., consumidos mais ou menos em tempo integral. "Medo e Delírio" propõe-se como um encontro entre esse olhar subjetivíssimo e o mundo objetivo.
O problema aqui é mais ou menos o mesmo de todos os filmes de Gilliam. Não há alternância de tempos; o tempo é perpetuamente forte. A tela é perpetuamente preenchida por um excesso de elementos, de maneira que os olhos não têm um segundo de descanso e, se por acaso tiverem, serão invadidos por uma multidão de cores.
Certo, não é a beleza o que interessa a Gilliam, mas seu oposto. De maneira que ninguém se espante com os vomitórios que regularmente invadem a cena. Nem com Depp e Del Toro fazendo uma espécie de Débi & Lóide psicodélicos em tempo integral. Ou com o fato de as piadas raramente suscitarem algum riso (exceção: a cena da convenção de tiras é muito boa).
Tudo de desagradável que o espectador é chamado a sentir não tem paralelo com o desconforto que provoca a sensação de saber que, levado numa tocada menos histérica, "Medo e Delírio" poderia ser um bom filme. Um filme à altura da esperança que suscitam os planos iniciais, que precedem o letreiro. Infelizmente, isso não dá mais de 30 segundos.


Avaliação:  

Filme: Medo e Delírio (Fear and Loathing in Las Vegas) Produção: EUA, 1998 Direção: Terry Gilliam Com: Johnny Depp e Benicio Del Toro Quando: a partir de hoje, nos cines Espaço Unibanco 3, Pátio Higienópolis 4 e SP Market 5


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