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CRÍTICA
Degenerescência à americana
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Não chega a ser estranho que
"Medo e Delírio" tenha sido um
fracasso nos EUA. Neste filme em
dois atos, Terry Gilliam oferece
uma visão sinistra do "sonho
americano", tal como vivenciada
por dois drogados anárquicos em
Las Vegas, na virada para os anos
70. A época é importante: a Guerra no Vietnã corre solta, a era Nixon começa. É o declínio do tempo do delírio, o início de uma era
de medo.
Gilliam -baseado no romance
"Las Vegas na Cabeça", de Hunter S. Thompson- situa seu filme
no coração da imbecilidade americana: Las Vegas, ali onde o espírito do homem vencedor encontra sua manifestação mais degenerescente.
O curto-circuito era compreensível: a América do fim dos anos
90, mais do que nunca segura de
si, não está disposta a lembrar um
tempo em que o ideário libertador do dr. Timothy Leary ainda
parecia fazer sentido.
Esse talvez seja o único motivo
para o fracasso, embora não signifique que "Medo e Delírio" seja
um filme a reter, menos por seu
argumento -interessantíssimo- do que pela grosseria como
é trabalhado por Gilliam.
Na primeira metade, Raoul Duke (Johnny Depp), jornalista, e o
dr. Gonzo (Benicio Del Toro), advogado, dirigem-se a Las Vegas a
fim de cobrir uma corrida de motos. Na segunda, cobrem uma
convenção de policiais sobre drogas.
O filme vê o mundo pelo olhar
muito particular de Duke, o que
significa uma mistura de maconha, cocaína, anfetaminas, LSD
etc., consumidos mais ou menos
em tempo integral. "Medo e Delírio" propõe-se como um encontro entre esse olhar subjetivíssimo
e o mundo objetivo.
O problema aqui é mais ou menos o mesmo de todos os filmes
de Gilliam. Não há alternância de
tempos; o tempo é perpetuamente forte. A tela é perpetuamente
preenchida por um excesso de
elementos, de maneira que os
olhos não têm um segundo de
descanso e, se por acaso tiverem,
serão invadidos por uma multidão de cores.
Certo, não é a beleza o que interessa a Gilliam, mas seu oposto.
De maneira que ninguém se espante com os vomitórios que regularmente invadem a cena. Nem
com Depp e Del Toro fazendo
uma espécie de Débi & Lóide psicodélicos em tempo integral. Ou
com o fato de as piadas raramente
suscitarem algum riso (exceção: a
cena da convenção de tiras é muito boa).
Tudo de desagradável que o espectador é chamado a sentir não
tem paralelo com o desconforto
que provoca a sensação de saber
que, levado numa tocada menos
histérica, "Medo e Delírio" poderia ser um bom filme. Um filme à
altura da esperança que suscitam
os planos iniciais, que precedem o
letreiro. Infelizmente, isso não dá
mais de 30 segundos.
Avaliação:
Filme: Medo e Delírio (Fear and
Loathing in Las Vegas)
Produção: EUA, 1998
Direção: Terry Gilliam
Com: Johnny Depp e Benicio Del Toro
Quando: a partir de hoje, nos cines
Espaço Unibanco 3, Pátio Higienópolis 4
e SP Market 5
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