São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

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ANÁLISE

Falta temperatura ao modelo independente

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A televisão pública -não estatal nem comercial- tem um lugar essencial a ocupar. Canais públicos teoricamente são reservatórios de experimentação, alternativas à concorrência privada, seara de independência política. A BBC é um exemplo raro.
A TV Cultura de São Paulo é a emissora brasileira que mais se aproxima desse modelo. Durante alguns poucos anos, na década de 90, a Cultura demonstrou que podia ser competitiva. Conquistou público com uma programação provocativa.
Desde então, imersa em uma profunda crise financeira, institucional e de identidade, a emissora perdeu audiência e influência. O que impressiona na hora em que se realiza o projeto longamente adiado de reformular os programas jornalísticos.
A Cultura lançou anteontem sua proposta de jornalismo público "independente do poder e do mercado". O projeto é corajoso e bem intencionado. Será que funciona? Tomara que sim. Ainda é cedo para avaliar.
Segundo Marco Antônio Coelho Filho, diretor de Jornalismo da emissora, a idéia é fazer um jornalismo "que não apele para a emoção". Na pauta, crimes, tragédias e acidentes não têm vez. A reportagem ao vivo também não. O risco é cair em um extremo oposto ao sensacionalismo.
Reformulados, os dois telejornais da emissora são frios, longos, permeados de matérias com intenção didática-explicativa. Na última segunda-feira a pauta soava requentada, com assuntos já extensamente tratados na imprensa escrita, falada e televisiva. O "Diário Paulista" informava que o Hospital das Clínicas não vai mais tratar de casos de rotina. No "Jornal da Cultura", os parlamentares ganharam extra para trabalhar nas férias.
Denunciar a convocação extraordinária a essas alturas é quase como bater em cachorro morto. E não compensa o tom oficial que ameaça o projeto. De um jornalismo independente espera-se menos cobertura de eventos e discursos oficiais, mais investigação. Vale a pena aguardar nomes como Paulo Markum e Luís Nassif -colunista da Folha- ao longo da semana. As séries de reportagens especiais prometem. O anunciado -não no ar- ombudsman também.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


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