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MEMÓRIA
"O Incrível" foi principal nome do instrumento
Jazz está órfão do órgão de Jimmy Smith
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
São poucos os que se despedem da vida com o retrospecto
"eu fui o melhor em minha arte". Jimmy Smith foi um deles.
O músico americano que
morreu na terça-feira de Carnaval, aos 79 anos, de "causas
naturais", foi o absoluto do órgão eletrônico jazzístico. Pode-se dizer que tenha sido Smith
quem apresentou o casal: "Órgão eletrônico, este é o jazz;
jazz, este é o órgão eletrônico".
Antes, o instrumento só havia
dado algumas "escapadinhas"
jazzísticas com pianistas como
Fats Waller (1904-1943) ou
Count Basie (1904-1984).
A história dos dois, Smith e
órgão, começou nos primeiros
anos 50. Filho da cidadela de
Norristown, na Pensilvânia,
que também deu ao jazz a lenda do baixo elétrico Jaco Pastorious (1951-87), vinha de uma
infância ligada ao piano quando conheceu, em 1951, um instrumento da marca Hammond, a do criador desta engenhoca eletrônica.
Em cinco anos apertando (e
não raro esmagando) as teclas
do aparato, já havia conquistado a posição de "fenômeno".
Sua gravação de estréia como
líder, em 1956, é um exemplo.
O disco "A New Sound, A
New Star: Jimmy Smith at the
Organ, Vol. 1", lançado pelo
prestigiado selo Blue Note, que
seria sua casa principal ao longo das décadas seguintes, é ainda hoje um dos melhores testemunhos da relação jazz-órgão.
Além do suingue que injetava
no gênero e das novas possibilidades de timbres, Smith apresentava já com seu cartão de visitas uma série de características que definiriam sua música.
Por um lado, a abertura para
a fusão de gêneros musicais,
cadinho onde cabiam r&b,
blues, gospel e o bebop jazzístico -de uma parte desta pasta
nascia na época (e Smith tem
os dedos aí) o estilo hardbop,
de seus amigos Sonny Rollins e
Horace Silver. Por outro lado, o
organista colaborava com um
humor então um tanto perdido
no jazz.
A característica extravasava
dos shows e do conteúdo dos
discos. A capa dos seus LPs era
retrato da folia que ele aprontava com o Hammond B3.
Se já na primeira bolacha se
deixava chamar de "uma nova
estrela", ele passaria boa parte
da carreira estampando (ou liberando que o fizessem) complementos ao seu nome como
"The Incredible". "Incrível
Jimmy Smith", portanto, era o
seu nome.
A estética das capas de seus
discos também é um capítulo
do jazz. Nelas ele podia aparecer sentado com um dálmata e
uma galinha em um quintal
cheio de mato (em "Back at the
Chicken Shack", eleito pela
Blue Note um dos 25 melhores
álbuns de sua história), podia
fazer micagens com guarda-chuvas ou se mostrar trepado
faceiramente em um trem.
Gatos também apareciam
com freqüência na face de seus
LPs, referência a seu outro apelido "The Cat".
Jimmy teve, honrando o codinome, muitas vidas, e vinha
gravando e fazendo shows até
sua morte, mas o cardiograma
de sua trajetória tem como picos absolutos os anos 50 e 60.
Nas últimas décadas, o "incrível" gravou álbuns de menor
valor e fez shows dispensáveis,
como uma apresentação em
São Paulo em 1998 (ele também
havia visitado o país para um
Free Jazz Festival em 1991).
Paradoxalmente, nesses anos
90 foi "redescoberto" por toda
uma geração mais jovem, que
chegou ao seu "groove" por
meio de samples de acid jazz.
Em entrevista à Folha, antes de
seu último espetáculo brasileiro, foi assim que disse que era
sua alcunha: "Acid jazz é meu
novo nome".
As novas gerações de organistas também o tinham como
o maioral. Joey DeFrancesco,
34, talvez seu principal herdeiro jazzístico, declarou ontem
no jornal "The New York Times": "Jimmy foi um dos
maiores e mais inventivos músicos de nosso tempo. Ele foi
meu ídolo, meu mentor e meu
amigo". Um disco à quatro
mãos de DeFrancesco e Smith,
concluído recentemente, estava para ser lançado pelo selo
Concord na próxima semana.
O nome do álbum mais uma
vez fala bem sobre seu autor.
Desta vez nada de "o incrível",
"o imprevisível", "o gato".
Smith se despediu com um CD
chamado "Legacy", ou "Legado". Deixou um legado e tanto.
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