São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 2005

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MEMÓRIA

"O Incrível" foi principal nome do instrumento

Jazz está órfão do órgão de Jimmy Smith

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

São poucos os que se despedem da vida com o retrospecto "eu fui o melhor em minha arte". Jimmy Smith foi um deles.
O músico americano que morreu na terça-feira de Carnaval, aos 79 anos, de "causas naturais", foi o absoluto do órgão eletrônico jazzístico. Pode-se dizer que tenha sido Smith quem apresentou o casal: "Órgão eletrônico, este é o jazz; jazz, este é o órgão eletrônico". Antes, o instrumento só havia dado algumas "escapadinhas" jazzísticas com pianistas como Fats Waller (1904-1943) ou Count Basie (1904-1984).
A história dos dois, Smith e órgão, começou nos primeiros anos 50. Filho da cidadela de Norristown, na Pensilvânia, que também deu ao jazz a lenda do baixo elétrico Jaco Pastorious (1951-87), vinha de uma infância ligada ao piano quando conheceu, em 1951, um instrumento da marca Hammond, a do criador desta engenhoca eletrônica.
Em cinco anos apertando (e não raro esmagando) as teclas do aparato, já havia conquistado a posição de "fenômeno". Sua gravação de estréia como líder, em 1956, é um exemplo.
O disco "A New Sound, A New Star: Jimmy Smith at the Organ, Vol. 1", lançado pelo prestigiado selo Blue Note, que seria sua casa principal ao longo das décadas seguintes, é ainda hoje um dos melhores testemunhos da relação jazz-órgão.
Além do suingue que injetava no gênero e das novas possibilidades de timbres, Smith apresentava já com seu cartão de visitas uma série de características que definiriam sua música.
Por um lado, a abertura para a fusão de gêneros musicais, cadinho onde cabiam r&b, blues, gospel e o bebop jazzístico -de uma parte desta pasta nascia na época (e Smith tem os dedos aí) o estilo hardbop, de seus amigos Sonny Rollins e Horace Silver. Por outro lado, o organista colaborava com um humor então um tanto perdido no jazz.
A característica extravasava dos shows e do conteúdo dos discos. A capa dos seus LPs era retrato da folia que ele aprontava com o Hammond B3.
Se já na primeira bolacha se deixava chamar de "uma nova estrela", ele passaria boa parte da carreira estampando (ou liberando que o fizessem) complementos ao seu nome como "The Incredible". "Incrível Jimmy Smith", portanto, era o seu nome.
A estética das capas de seus discos também é um capítulo do jazz. Nelas ele podia aparecer sentado com um dálmata e uma galinha em um quintal cheio de mato (em "Back at the Chicken Shack", eleito pela Blue Note um dos 25 melhores álbuns de sua história), podia fazer micagens com guarda-chuvas ou se mostrar trepado faceiramente em um trem.
Gatos também apareciam com freqüência na face de seus LPs, referência a seu outro apelido "The Cat".
Jimmy teve, honrando o codinome, muitas vidas, e vinha gravando e fazendo shows até sua morte, mas o cardiograma de sua trajetória tem como picos absolutos os anos 50 e 60.
Nas últimas décadas, o "incrível" gravou álbuns de menor valor e fez shows dispensáveis, como uma apresentação em São Paulo em 1998 (ele também havia visitado o país para um Free Jazz Festival em 1991).
Paradoxalmente, nesses anos 90 foi "redescoberto" por toda uma geração mais jovem, que chegou ao seu "groove" por meio de samples de acid jazz. Em entrevista à Folha, antes de seu último espetáculo brasileiro, foi assim que disse que era sua alcunha: "Acid jazz é meu novo nome".
As novas gerações de organistas também o tinham como o maioral. Joey DeFrancesco, 34, talvez seu principal herdeiro jazzístico, declarou ontem no jornal "The New York Times": "Jimmy foi um dos maiores e mais inventivos músicos de nosso tempo. Ele foi meu ídolo, meu mentor e meu amigo". Um disco à quatro mãos de DeFrancesco e Smith, concluído recentemente, estava para ser lançado pelo selo Concord na próxima semana.
O nome do álbum mais uma vez fala bem sobre seu autor. Desta vez nada de "o incrível", "o imprevisível", "o gato". Smith se despediu com um CD chamado "Legacy", ou "Legado". Deixou um legado e tanto.


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