São Paulo, Quinta-feira, 11 de Fevereiro de 1999
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Projeto de Iara Lee, produtora brasileira radicada em NY, cria série de CDs em que as músicas são extraídas de construções
"Architettura" constrói a nova música concreta

ERIKA SALLUM
da Reportagem Local

"Se a natureza fosse confortável, a humanidade não teria inventado a arquitetura." Oscar Wilde

Você já escutou a Estação de Waterloo, em Londres? E o Museu da Fruta, no Japão, já tocou no seu CD player? Ou, pelo menos, você já pensou em ouvir qualquer prédio que seja?
A produtora brasileira Iara Lee, criadora da gravadora nova-iorquina Caipirinha, lançou a si mesma o desafio: por que não fazer música a partir de uma estrutura arquitetônica?
A idéia acabou se transformando no projeto "Architettura", uma série de CDs em que a música -sempre eletrônica- é inspirada por construções.
O terceiro disco da série deve ser lançado em abril e tem como tema o Museu da Fruta, no Japão. Emaranhado de tubulações construído pela arquiteta Itsuko Hasegawa, o edifício guarda diversas espécies de frutas e árvores e serve também como centro de pesquisa.
Os dois primeiros CDs, que saíram no ano passado, são dedicados, respectivamente, à Torre dos Ventos, no Japão, e à Estação de Waterloo, na Inglaterra.
"A música pode interagir num nível muito físico com a arquitetura, muitas vezes parecem feitas uma para a outra. Musicalmente, me inspiro bastante por coisas visuais", disse à Folha o músico norte-americano Taylor Deupree.
Ao lado de Iara no independente selo Caipirinha, onde também é diretor de arte, ele ajudou a conceber o projeto.
Junto com o grego Savvas Ysatis (leia entrevista nesta página), compôs o primeiro volume de "Architettura", "Tower of Winds" (Torre dos Ventos), uma homenagem à esquisita torre projetada por Toyo Ito, na cidade de Yokohama, nos arredores de Tóquio.
Estranhas, as faixas do disco parecem saídas de algum contato alienígena. "Fizemos a música sem nenhum tipo de instrumento ou sintetizador, apenas com um mouse e um software de sons, sem jamais mexer num teclado."
No caso do álbum "Waterloo Terminal", do japonês radicado nos Estados Unidos Tetsu Inoue, o prédio literalmente virou música. Para criar as faixas do disco, Inoue escaneou centenas de fotos da estação londrina para um programa em seu computador, que transformou matematicamente as informações em sons.
Mais uma vez, o resultado é muito diferente do que já foi ouvido. "A música eletrônica é totalmente inovadora e perfeita para esse tipo de projeto", disse Inoue.
"A eletrônica é a área da música em que existe mais criatividade para trabalhar. Parece que o rock'n'roll e a pop music já chegaram lá em cima e agora estão descendo. A cultura é assim, reciclável", diz Iara.
Morando em Nova York há dez anos, ela também é cineasta e já dirigiu dois filmes em que a música eletrônica é protagonista, "Synthetic Pleasures" (Prazeres Sintéticos) e "Modulations" (Modulações). "Eu celebro a cultura híbrida, pegar elementos do passado, reorganizá-los e criar algo novo, como é o caso do sampler. "Architettura" é isso", afirma ela.
Cansada de procurar patrocínios para seus trabalhos, Iara fundou a Caipirinha, produtora de filmes e discos. Em seu catálogo de CDs, constam desde compilações de música eletrônica alemã a experimentos underground com drum'n'bass (veja quadro ao lado).
Em abril, Iara e sua trupe lançam o terceiro disco da série, composto pelo jornalista, escritor e músico inglês David Toop, autor do livro "Ocean of Sound", que faz um histórico da ambient music e traz entrevistas com Kraftwerk, Brian Eno e Sun Ra, entre outros.
"Quando estava pensando em qual edifício escolher para esse álbum, topei com uma foto do tal Museu da Fruta. Para mim, esse prédio é como um antigo lugar sagrado, tipo as pirâmides, por exemplo", afirmou Toop.
A série "Architettura" não tem um número de CDs definido. Para o próximo volume, Iara tem um desejo: musicar Brasília, a capital futurista de Oscar Niemeyer.


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