São Paulo, Quinta-feira, 11 de Fevereiro de 1999
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CRÍTICA

Os elétrons da música

MARCELO NEGROMONTE
da Redação

Fossem outras as eras em que vivemos, Iara Lee e seus parceiros nesse projeto "Architettura" seriam lançados à fogueira em praça pública sem piedade. Heresia das mais impuras seria o motivo.
Como se atrevem a sonorizar um prédio e uma estação de trem? Como ousam "tocar" construções? É uma audácia quase inacreditável mesmo nos dias atuais.
Mas nada mais é do que uma evolução natural do casamento entre música e matemática, existente desde os tempos de Pitágoras e suas descobertas de harmonias e escalas e extremada aqui.
É o caso do disco "Waterloo Terminal", a estação de trem londrina que liga Paris à capital inglesa pelo Eurostar, em que mil fotos do terminal foram processadas no computador de Tetsu Inoue, que matematicamente foram transformadas em sons, ritmos, algoritmos.
É possível, num dos raros momentos de não-abstração, escutar por exemplo o que seria o barulho do trem e vozes ao fundo, reprocessados, com texturas várias, na música (?) "Room FX".
Os grandes arcos, aços inoxidáveis, vidros, e tudo mais que concerne à estação foram traduzidos e alterados eletronicamente- numa quase literalidade impressionante. As cócegas que por ventura atingem o tímpano ao ouvir o disco são o que mais próximo pode-se chegar ao barulho do movimento de elétrons -se é que há.
Um pouco mais "digerível" para os ouvidos é o disco "Tower of Winds", a torre do vento, localizada na cidade de Yokohama, no Japão. Há melodias e ritmos mais fáceis e identificáveis, quase dançantes, mas é igualmente perturbador.
O grego Savvas Ysatis e Taylor Deupree captaram momentos da torre, uma construção cilíndrica ultramoderna, que de dia é uma mera torre de metal e à noite ganha diversos tipos de iluminação com suas 1.280 lâmpadas e 12 anéis de néon em toda sua extensão.
As luzes são controladas por computador e mudam de acordo com a velocidade do vento, barulho exterior e iluminação natural.
Com tantas mudanças na fachada, as músicas receberam o nome do dia e da hora em que foram "captadas": "Dec.19 11:57PM Magic Tower of Magic", "Jan.2 3AM Spiraling against Anything" etc.
Não foi usado nenhum instrumento, nem sintetizador, para chegar às músicas -isso é bruxaria pesada-, apenas o mouse.
Os discos extrapolam uma barreira tecnológico-musical, experimentos que ainda hoje podem ser chamados de futuristas, um porvir cedo demais talvez. Será mesmo?

Discos: Waterloo Terminal, de Tetsu Inoue, e Tower of Winds, de Savvas Ysatis e Taylor Deupree
Lançamento: Caipirinha Music
Onde encomendar: www.caipirinha.com


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