São Paulo, Quinta-feira, 11 de Fevereiro de 1999
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JAPÃO
'Kanzo Sensei' é seu mais recente trabalho
Shohei Imamura passa país a limpo

da Equipe de Articulistas

"Kanzo Sensei", último trabalho do diretor japonês Shohei Imamura, foi quase unanimemente considerado pela crítica francesa um dos dez melhores filmes de 1998. E continua atraindo público aos cinemas franceses, quando se esperava que o velho diretor, autor de uma vasta obra iniciada nos anos 50 e consagrado pela segunda vez com a Palma de Ouro com "A Enguia", tivesse agora o direito de descansar.
Mas Imamura, embora vítima de uma doença crônica que o obriga a passar boa parte do tempo num hospital, retorna com uma obra vigorosa, que não se limita a repetir velhas fórmulas, mas, ao contrário, promove com notável virtuosismo uma espécie de pot-pourri dos gêneros prediletos do cinema japonês, desde o período da guerra até os nossos dias, para superá-los.
O filme é antes de tudo um drama do homem comum, típico "shomingeki", como se costumava dizer nos anos 40 e 50, quando o cinema se aplicava em enfocar o japonês incorruptível e fiel a seus princípios morais, apesar das dificuldades financeiras.
Trata-se da história de um médico de província que, no final da Segunda Guerra, não mede esforços para tratar seus pacientes miseráveis, nos quais constata um recorrente mal do fígado, o que lhe vale o apelido de Doutor Fígado, ou Kanzo Sensei. Humano e solidário, o médico não teme o férreo regime militar e abriga em sua própria casa um prisioneiro de guerra holandês foragido.
Mas o filme também rende tributo ao antigo cinema marginal japonês, de quem Imamura foi um dos fundadores, nos final dos anos 50. Mais do que um japonês exemplar, Kanzo Sensei é um marginal avesso à hipocrisia social. Seus melhores amigos são um monge bêbado e depravado e um outro médico viciado em morfina. Além disso, o Doutor Fígado contrata como enfermeira a jovem prostituta local que não hesita em ministrar sexo como terapia suplementar aos pacientes.
E então Imamura penetra no gênero pornô, um dos preferidos do cinema japonês de todos os tempos, rememorando um pouco o seu próprio "Os Pornógrafos", principalmente na cena em que a pequena prostituta se deixa fotografar por um cliente excêntrico com um ovo preso em sua vagina.
Mas "Kanzo Sensei" é mais do que tudo contemporâneo ao adotar o tom da comédia irônica, estilo preferido dos cineastas japoneses atuais. Em lugar da vitimização típica de tantos filmes nipônicos (Kurosawa inclusive), sobretudo dos que tratam da Segunda Guerra, ele dá preferência a uma certa idiotice pueril de seus personagens. As bombas que caem são mostradas como manchas coloridas no céu, com um efeito semelhante ao de desenho animado, sugerindo ao mesmo tempo uma certa doçura ingênua e a completa alienação.
Enfim, com "Kanzo Sensei" o espectador tem nada menos que uma revisão crítica da história do cinema japonês, o que coloca o filme não apenas entre os melhores do ano passado, mas como ponto de referência dos anos 90.
(LN)



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