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CINEMA
"High Art", longa-metragem de estréia da diretora americana Lisa Cholodenko, supera o rótulo dos filmes sobre homossexualismo feminino
Lesbianismo faz sucesso nas salas de Paris
LÚCIA NAGIB
em Paris
A atual sensação nos cinemas de
Paris se chama "High Art", longa-metragem de estréia de uma certa
Lisa Cholodenko. O que possibilitou a essa americana, até aqui desconhecida, atravessar a barreira do
cinema comercial, romper o lobby
das distribuidoras e de repente estampar-se na capa de jornais e revistas?
A resposta mais óbvia seria o tema escolhido -o homossexualismo feminino. Mas só esse elemento não bastaria. Ao contrário da
abundância e qualidade dos filmes
gays masculinos, os raros femininos são frequentemente reivindicativos e maçantes, e quase nunca
conseguem distribuição comercial.
"High Art" é, porém, um filme
especial dentro de uma área especial. E, sendo obsessivamente homossexual, não é apenas um lindo
filme sobre o lesbianismo, mas um
lindo filme tout court.
Como as maçãs rosadas da jovem
jornalista que o protagoniza,
"High Art" esbanja frescor e entusiasmo típicos de iniciante.
Os diálogos por vezes toscos e os
tropeços dos atores só aumentam
essa vivacidade, que é, aliás, a qualidade principal de Syd, nome ambíguo da personagem central.
Syd quer ascender em seu novo
emprego na revista de fotografia
"Frame".
Vale-se, para tanto, de uma questionável sofisticação intelectual,
que inclui citações disparatadas de
Barthes e Kristeva.
Gota
É, no entanto, a própria vida que
acaba por despertar sua sensibilidade artística. Como a maçã de
Newton, uma gota d'água caída sobre seu livro, no banheiro, sugere-lhe a existência de um outro e
atraente universo.
Com esse pingo d'água, fruto de
um vazamento no apartamento do
andar superior, introduz-se no filme uma sensualidade de qualidade
rara e quase nunca vista em filmes
gays femininos.
No apartamento de cima, Syd,
até aqui heterossexual, descobre a
misteriosa moradia de um casal de
lésbicas: uma atriz alemã, outrora
membro da trupe de Fassbinder, e
uma fotógrafa judia americana, famosa no passado, mas hoje inativa.
É o encontro da juventude ambiciosa com a maturidade decadente, pois o casal de lésbicas há tempos abandonou a arte para se afundar nas drogas.
Cholodenko fotografa com fina
arte os eflúvios envolventes desse
ambiente vicioso e sujo, em que,
ultimamente, "ninguém toma banho", como diz Lucy, a fotógrafa,
surpresa com a possibilidade de
um vazamento em seu banheiro.
Sublime
Aventurando-se sem medo nesse
reino desconhecido, Syd se encanta com as velhas fotos penduradas
na parede, compartilha dos paraísos artificiais da fotógrafa -a
quem proporciona um súbito renascimento, convencendo-a a publicar em sua revista- e realiza finalmente a experiência do homossexualismo.
Eis o momento quase sublime do
filme: Syd, ao ter seu corpo rechonchudo e adolescente tocado
pelos dedos descarnados e envelhecidos de Lucy, derrama uma lágrima que faz eco à gota anterior,
no banheiro, e completa a iniciação da jovem que nesse momento
adquiriu um verdadeiro saber.
São metáforas delicadas que,
longe do artifício, trazem o sabor
do documento. Pouco importa se
os editores da revista, com sua estreita visão comercial, são excessivamente caricatos, ou se o namorado de Syd não passa de uma mera sombra animada.
O amor entre duas mulheres finalmente ganhou uma expressão
direta e convincente, e essa expressão atingiu as telas e o vasto público da capital intelectual do cinema.
Parece o bastante.
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